Carla.Parreira 10/10/2024
A visão das plantas (Djaimilia Pereira de Almeida). O livro apresenta o capitão Celestino, um ex-capitão de navio negreiro, caracterizado por sua crueldade e pelas atrocidades que cometeu. Após se aposentar, ele volta para a casa da infância, agora abandonada, onde vive atormentado pelos fantasmas de suas vítimas. Para se redimir de seus pecados, ele cuida de um belo jardim, que chama a atenção dos moradores locais, especialmente das crianças que o temem e criam lendas sobre ele. Embora sua vida seja marcada por horrores, ele experimenta uma certa paz através das plantas, que não dão importância ao seu passado violento. As plantas, em sua indiferença, veem Celestino apenas como o jardineiro que as cuida, simbolizando a ideia de que, para elas, o que importa é a dedicação recebida, independentemente da história de seu cuidador. O livro, curto e poético, reflete sobre a redenção e a capacidade de fazer o bem, mesmo após uma vida de crueldade.
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Melhores trechos: "...Vale a vida inteira ver o jardim espreguiçar-se. O sol espreita, vou sem sono nenhum dar-lhes os bons-dias, coo o café, canto-lhes uma oração da manhã, dizemos bom dia todos juntos e deito-me a elas, de joelhos, aparo as que morrem durante a noite, que algumas vão-se no escuro, nem dou por elas, quase me apetece um dedal para tocar-lhes, que a sua alegria viçosa queima-me os dedos, a minha barba a cheirar ainda a noite, as ramelas que me escaparam, flores da minha vida, cravos teimosos, sempre enfronhados, olhos inchados, os cravos salpicar-lhes água em cima, antes água que cal nas carapinhas de luz, cravos da minha vida... Acordou em casa, restaurado, após uma vida cheia... A rega e o zelo geraram uma infinidade de seres que descobria nos dedos ao mexer na terra: minhocas, besouros verdes, bichos-de-conta. A vida regressava... A melodia branda das tarefas das flores entre os dedos cada vez mais tortos... Som das enxadas na terra, o de um fio de água caindo nos vasos. Pressentidas entre as folhas, as sombras lembravam aos curiosos a vida declinada. Alguns paravam e afastavam as folhas das sebes, espreitavam... Não sabia a língua da terra, só do mar... Cravos, as sardinheiras vermelhas, as ervilhas-de-cheiro rosa-vivo, a ameixoeira... Todos os dias o jardim estava diferente. Jamais se entediava. De noite, a Natureza tratava de lhe imprimir o matutino. Pela manhã, saindo ao quintal, vinha dar conta dos casos, dos espinhos, das borboletas, das teias de aranha, dos pulgões e do estado dos alporques dos cravos... Capitão Celestino amava as flores, se é possível amar sem guardar memória..."