Lurdes 06/02/2022
A Visão das Plantas é uma leitura ao mesmo tempo terna, revoltante, comovente e perturbadora.
Não é para menos.
Nosso protagonista é um ex capitão de navio negreiro, com um passado de crueldade que pesa sobre suas costas e suas lembranças.
Ao fim da vida, quase cego e iniciando um processo de demência, ele retorna à casa onde cresceu e passa a cultivar um jardim.
Capitão Celestino, este é seu nome.
Os vizinhos conhecem as histórias aterradoras e muitos evitam, até mesmo, passar por sua calçada. As crianças vivem um misto de medo e fascinação. Algumas poucas vizinhas, em consideração à memória de sua mãe, ainda se permitem alguns gestos mais generosos, como alcançar algum alimento.
A única visita que Celestino recebe é do Padre Alfredo, que gostaria que ele se confessasse e se arrependesse de seus pecados.
Mas Celestino não está arrependido. Ou está?
A delicadeza e cuidados dedicados às suas plantas teriam tornado Celestino um homem melhor?
Não é o que parece.
A dureza, instalada nele, está de tal forma solidificada que não pode ser extinta.
O que resta a Capitão Celestino é dedicar às plantas o afeto, cuidado e preocupação que ele nunca teve por nenhum ser humano.
E o que ele recebe de volta?
Flores viçosas, com cores e odores inebriantes que passam a ser sua razão de viver.
Mas as plantas não se importam.
Se não o julgam, tampouco podem lhe oferecer qualquer sentimento de carinho ou agradecimento pelos cuidados.
Elas vivem, crescem, florescem, não por, ou para ele, mas porque é de sua natureza.
Quando iniciei a leitura me senti muito incomodada porque não conseguia aceitar uma escrita tão bonita e poética com um protagonista tão escroto.
Estas contradições deixam a leitura ainda mais intensa.
Uma sacada de mestre usar da delicadeza para denunciar a barbárie.
Terminamos o livro com um aperto no coração.