Michelly 20/08/2022Reflexões de colecionador Este é um pequeno livro que aborda diversos temas tão cotidianos a alma do leitor. Manguel, ao cair na triste necessidade de encaixotar a própria biblioteca, relata nessa sequência de pequenos ensaios, memórias de uma vida construída sob a carapaça dos livros.
Através de uma linguagem erudita, mas acessível, que creio ser uma particularidade de Manguel, por tratar-se de um erudito conhecido, bibliófilo, entre outras qualidades. Seu pequeno livro – pequeno só em tamanho, porque de peso é inenarrável – é construído em um processo de rememoração. Cujos temas são diversos, nos deixando a impressão de que estamos em um emaranhado. Entretanto, percebemos em seguida que a junção de seus temas resulta neste nexo chamado formação do leitor e apego à leitura.
Escrito em primeira pessoa, temos todo o tempo a impressão de tratar-se de uma autobiografia, munida de muitíssimos desabafos pela coisa perdida, assim como pelos aprendizados vividos. O que, volta e meia, nos faz refletir sobre a humanidade de nossa própria biblioteca, mesmo do que nos motivou a lida de tanta palavra dispersa, disposta em estantes, prateleiras, seja com consciência refletida ou irrefletida.
Uma característica interessante a ser levantada é que o livro é construído, como o autor mesmo cita, a base de digressões. São dez. Minha predileta, que na minha opinião justifica melhor a razão do livro, é a “Quarta digressão”, que traz à tona a descrição belíssima do momento em que Alonso Quijano, antes de tornar-se Dom Quixote, percebe a dor de perder a própria biblioteca. Ao fazer uso desse exemplo, Manguel consegue construir uma relação de identificação com o personagem de Cervantes.
Afirmemos com isso que esse pequeno livro de Alberto Manguel é um elogio, assim como um adeus a sua magnifica biblioteca. Sua finalidade, talvez seja, a de melhor elaborar e lidar com o luto de perdê-la, ao fazer com o que o leitor se identifique, mas também reconheça o valor de seu espaço, independente de seu peso, seja com seus 35 mil volumes como a famosa biblioteca de Manguel ou de algumas centenas, como a pequena biblioteca de Borges.
Alberto Manguel, bibliófilo assumido, nasceu em Buenos Aires em 1948. Morou em diversos países, sempre cercado de livros. Atualmente é diretor da Biblioteca Nacional.
Deixo-lhes à guisa de reflexão algumas citações:
“Porque, se toda biblioteca é autobiográfica, seu encaixotamento parece assemelhar-se a um autonecrológio. Talvez essas questões sejam o verdadeiro objeto desta elegia”.
“A perda ajuda-nos a lembrar, e a perda de uma biblioteca nos ajuda a lembrar quem de fato somos”.