Italo 26/12/2022
Laranja Podre
O livro é excepcional, mas precisa de ter estômago.
A história conta que Antony Burgess escreveu esse livro após receber a notícia de que tinha uma doença terminal e estava em seus últimos dias; este seria o resultado de uma de suas últimas tentativas de deixar alguma renda para a sua esposa, após sua morte. O médico errou e o livro se tornou um dos clássicos do Sec XX, seguindo a mesma linha de uma distopia Pós-Industrial de livros como Admirável Mundo Novo, de Huxley, Fahrenheit 451, do Bradbury e, o meu queridíssimo 1984, de George Orwell. Esse desespero que Burgess sentia ao escrever a obra, permeou o livro e deu um tom melancólico à este - talvez o que mais prenda o leitor.
Escrito numa época onde grandes teorias sobre o comportamento humano era tecido, Antony surfou nas teorias Behavioristas sobre o comportamento humano, dentre outros. Senti um grande toque de Foucault, principalmente no que tange o Vigiar e Punir; todavia, esta obra só foi escrita 13 anos antes. Do que percebi de teorias que influenciaram esta, temos também a Teoria do Reflexo Condicionado, de Pavlov, que foi usada como base para o Método Ludovico (Spoiler).
Não quero falar sobre o enredo, mas sobre a crítica. O livro levanta perguntas muito importantes e presentes nos dias atuais, mais pouco discutidos. Também se passando num local onde a polícia é violenta, a violência é explicita e normalizada e onde as medidas de controle à criminalidade são puramente punitivas, tendo como a única diferença da realidade o fato de que, nessa distopia, o governo começou a entender que não basta apenas punir o indivíduo. Todavia, ainda estamos falando de governo e, quando este não é popular (no sentido estrito da palavra, do povo), provavelmente ele vai buscar controlar a população de alguma forma. Nesse contexto nos é apresentado o Método Ludovico, com base na teoria Pavloviana comportamental.
O Método Ludovico é, no livro, algo ainda experimental. O governo estava por tentar implanta-lo no sistema penitenciário, pois viu que apenas punir os encarcerados, apenas levaria à mais criminalidade. O primeiro paciente a ser reabilitado é Alex, o "Vosso Humilde Narrador": um jovem de 17 anos, "delinquente" e com aspirações a psicopatia - mas, antes de tudo isso, um ser humano, que apreciava a arte e amava a linguagem. O Método baseava em expor o paciente à cenas de "Ultraviolência" e, paralelamente, injetando substâncias nele que causavam enjoo e náuseas. No fim, eles criaram um jovem que sentia aversão a qualquer coisa que apresentasse um tom mais violento - desde uma briga até mesmo momentos mais agitados de uma música. A teoria era o seguinte: se não podemos convencê-lo a não agir de forma errada, vamos impedi-lo de agir de forma errada. Toda vez que ele sentia que seria exposto a uma cena de violência, ele automaticamente sentia enjoo e náusea.
Parece algo bom mas, ai entramos na parte ética disso tudo: o ser humano pode ser "bom" se a sua única opção for ser "bom"?. O que nos torna humanos não seria a nossa capacidade de pensar, de escolher entre A ou B, racionalmente e conscientemente? O que nos difere de um animal, senão isso? A arte ela pode ser violenta, pode ser pacífica. Não seria uma perca de humanidade se não pudermos aprecia-la? Quem define o que é certo ou errado, o Estado?, com base em quê?
Não tenho resposta para nenhuma das perguntas acima, apenas opniões. Em suma, elas se resumem numa frase do próprio autor, Antony Burgess: "Antes ser uma laranja podre do que uma laranja mecânica".