Queria Estar Lendo 21/10/2022
Resenha: O Ano das Bruxas
O Ano das Bruxas é uma história tenebrosa da Editora Darkside. Escrita por Alexis Henderson, explora uma sociedade puritana rendida à religiosidade e fervorosa adoração de um deus punitivo e uma garota que parece ter ligação com a escuridão que eles tanto temem.
Immanuelle nasceu de uma mãe condenada por fugir das doutrinas religiosas e, segundo más línguas, se aliar às bruxas da floresta tenebrosa que existe ao redor da comunidade de Betel. Tudo que Immanuelle conhece da sua falecida mãe e do falecido pai era o relacionamento proibido entre eles; mas, criada pela família religiosa e devota, ela acabou se tornando parte da comunidade.
Não completamente, porque Immanuelle ainda é uma garota negra nesse lugar que afastou as pessoas não brancas para uma comunidade vizinha, à beira da Mata Sombria. Mas é devota do Pai, a figura mística que cultuam, e conhece os perigos que a Mãe, o berço da escuridão e do terror, oferece.
Ainda assim, Immanuelle se sente compelida pela floresta, e uma visita às árvores e um estranho encontro entre as sombras dali parece desencadear uma onda de pragas terríveis por Betel. Immanuelle não sabe como, mas sabe que é a única capaz de impedir a total destruição desse lugar.
O Ano das Bruxas é um bom livro de terror; dosa muito bem as cenas macabras com o suspense, e entrega um desenvolvimento ritmado do começo ao fim.
Immanuelle é uma protagonista interessante; ingênua demais, em alguns momentos, mas de maneira justificável pela criação e pelo lugar onde vive. Sua mente, no entanto, é muito mais aberta do que a das pessoas da comunidade puritana, e seu coração mais livre do que ela admite.
"Quando a floresta estiver faminta, alimente-a."
Eu gostei da jornada dela até quase o fim - porque o fim foi simplesmente moral demais para o meu gosto. Esperava mais escuridão, mais vingança, e menos misericórdia e justiça.
Essa é uma coisa que me desagra em livros assim. Eu entendo o que a autora quis trabalhar, entendo a misericórdia e o que ela significa, mas queria mais histórias que explorassem a total escuridão das suas protagonistas. Queria mais livros que mostrassem que às vezes existem limites que são ultrapassados e que tudo que resta é a vingança.
E não foi o caso aqui em O Ano das Bruxas. Immanuelle é justa, justa demais para o que vive e o que enfrenta, do começo até o final. Sua ligação com a floresta, com as misteriosas figuras que espreitam entre as árvores, é sensacional e conduzida pela narrativa com uma tensão e uma antecipação gigantescas. Deixa a história muito fluída, porque você quer conhecer mais desse lado da Immanuelle.
O lado que conversa com a magia, com o passado e com o futuro, o lado que representa os segredos da mãe e das bruxas. Ao mesmo tempo, temos o lado fiel à família, à comunidade, e a si mesma.
Com maestria, Alexis conduz sua protagonista, a comunidade e a floresta como as peças principais dessa trama. E, unidas por uma força maior, uma que exerce poder sobre todo mundo, entrega um livro de terror fenomenal.
"Não é estranho que ler um livro seja pecado, mas acorrentar uma garota em um tronco e deixá-la para os cães é normal de acordo com a obra do Bom Pai?"
Como eu disse, com exceção do fim, tudo em O Ano das Bruxas me agradou. A atmosfera da comunidade puritana que é fictícia, mas que em muito lembra Salem e outras cidadezinhas escondidas do mundo, resguardadas pela ignorância, maculadas pela religiosidade doentia. Betel é macabra por se dedicar tanto a uma fé perturbada.
A figura do Profeta, que deveria ser o homem santo, desprovido de pecados, é a mais perturbadora da história toda. Existe uma floresta macabra, bruxas tenebrosas, e o que mais mete medo é o homem; porque é exatamente isso que acontece. O poder e a fé dão a ele passe livre, e assistimos aos absurdos que comete em nome de um Pai benevolente e de um perdão sem medidas.
O paralelo da ficção com a realidade, lembrando dos horrores que acometeram o nosso mundo quando a gente pensa na "caça às bruxas", é mais aterrorizante do que um passeio pela Mata Sombria. Betel é um retrato da intolerância e da revolta doentia ao diferente. Minorias oprimidas e mulheres massacradas são um pouco do horror que o livro explora ao mostrar aquela realidade.
Além do Profeta, outros coadjuvantes são importantes para o desenrolar da trama; seu filho, Ezra, sendo o mais querido deles.
Diferente do Profeta, Ezra entende a corrupção que corre solta pela comunidade, pela fé, e ainda que não possa fazer grandes coisas a respeito, faz o possível para buscar soluções. Sua relação de amizade e companheirismo com Immanuelle, que nasce de repente e se transforma num dos pilares do livro, é de extrema importância para a trama principal.
A edição da Darkside está maravilhosa; gostei da adaptação da capa, que faz menção a um livro que aparece no decorrer da história, e da diagramação primorosa dentro do livro. A tradução de Dandara Palankof também ficou excelente, fazendo jus à narrativa em partes lírica, em partes assombrosa dessa história.
O Ano das Bruxas aterroriza ao mesmo tempo em que revolta. É uma ficção com pé na realidade, uma história de bruxas onde o maior monstro é a humanidade.
site: https://www.queriaestarlendo.com.br/2022/10/resenha-o-ano-das-bruxas-alexis.html