Juju 19/12/2021
Um Novo Mundo
Imanuelle Moore não possui uma boa fama em Betel, uma cidade dominada e regida por disciplinas duras e supostamente religiosas cujo o poder que originam reside há gerações nas mãos dos chamados Profetas. Neste vilarejo as pessoas se submetem aos ensinamentos que provém das "Escrituras Sagradas" e que por sua vez remetem à vontade do bom Pai, criador dos céus e da Terra, misericordioso, porém punitivo e inflamável contra os hereges pecadores. Em detrimento a tudo que Ele prega, os fiéis abominam a figura da Mãe, a desprezível criatura que segundo suas crenças deu a luz às trevas e à escuridão do mundo na forma de quatro bruxas impiedosas: Delilah, a bruxa das águas; Jael e Mercy, As Amantes e por fim Lilith, a rainha de seu conciliábulo macabro. Tudo o que é perverso habita a região que circunda Betel, a que denominam Mata Sombria. E foi ali em meio àquela floresta vasta e perigosa que a mãe de Imanuelle, Miriam Moore, aventurou-se e perdeu sua sanidade, perdendo também a todos que amava e por fim sendo condenada à morte na fogueira por crimes de bruxaria. Seu único legado permanece sendo a filha que carregou em seu ventre e a mesma luta para prosseguir vivendo e obedecendo aos bons caminhos. Porém Imanuelle não faz o gênero que segue regras e abaixa a cabeça, e ela logo se dá conta disso ao perceber que a mata clama por seu nome, e ao adentrá-la em um rompante de descuido e coragem acaba se deparando com uma nova concepção sobre si mesma e principalmente sobre como funcionam verdadeiramente as coisas em Betel. A medida em que se apaixona pelo filho do Profeta atual, Ezra Chambers, ela também precisa evitar que uma poderosa maldição se concretize, arruinando tudo o que estima em uma procissão de sangue, flagelo, trevas e massacre.
O Ano das Bruxas é o livro de estreia de Alexis Henderson, e sinceramente é muito divertido iniciar uma leitura sem saber o que esperar, e sem dispor de outras obras da autora para poder estabelecer qualquer comparação. Eu me surpreendi e muito, no sentido positivo da palavra, com esse livro, não esperava que fosse gostar tanto dele e sequer que fosse simplesmente devorá-lo em tão pouco tempo, a intenção inicial era saborear lentamente a experiência. Falhei miseravelmente e não me arrependo.
A obra toda é dividida em quatro partes, todas elas compostas por subtítulos nomeados a partir das quatro maldições presentes na trama: sangue, flagelo, trevas e massacre. Aqui iremos nos deparar com uma abordagem bastante inteligente e crítica por parte da autora ao sistema que conhecemos e já exploramos talvez de uma forma um tanto quanto vaga em nossos livros de história em tempos de escola. O período da inquisição (estima-se que entre os séculos XIII a XV durante a Idade Média na Europa) em que bruxas ou os chamados hereges eram condenados à morte na fogueira como uma forma de expiar, purificar seus supostos pecados contra a Igreja de Deus. Mas afinal, quais eram estes pecados? E quais critérios se utilizavam para compreender e abranger o que de fato se configurava como um pecado genuíno? Seriam estes crimes estipulados a partir da vontade de Deus, o bom Pai, Todo Poderoso, ou por humanos falhos e igualmente pecadores que fariam de tudo para subverter as escrituras sagradas a seu bel prazer e continuar alienando o povo sob uma falsa ilusão de religiosidade e prosperidade, mas que afinal das contas almejava somente poder? Seria Betel e as poucas outras porções de terra que conhecem em seu mapa rudimentar um retrato verdadeiro de tudo o que existe no mundo? Ou existiria mais para além do horizonte e do que os olhos podem alcançar? Esta é a dinâmica central de O Ano das Bruxas, se eu ousar me estender além disto estaria dando um spoiler indesejado.
O livro possui aventura, romance - não daqueles super mela-mela, diga-se de passagem - e elementos sobrenaturais (bruxas, monstros, pragas, maldições e demônios), ambientando uma fantasia de época bastante criativa e interessante, muito bem estruturada e construída com esmero. Detectei a possibilidade de uma continuação e acho que valeria muito a pena expandir esse universo tão vasto de magia, bruxaria e afins, além de que Alexis Henderson é uma ótima escritora cujas palavras são bem medidas e pesadas, de modo a compor um livro fluído e altamente viciante que agarra os leitores e os prende como em um feitiço de conjuração (hehe).
A edição em capa dura da editora Darkside como já é de praxe, está muito atrativa aos olhos e ao coração, estruturada de uma forma que lembra a madeira antiga e as folhas amareladas pertencentes aos diários e calhamaços que eram encontrados em bibliotecas da antiguidade. Foi uma maneira maravilhosa de encerrar minhas leituras do ano!