spoiler visualizarnatbellangero 22/03/2024
Todo o resto é memória, é tudo que temos, mas ao mesmo tempo não é nada. Memória é um filho que já nasce morto. E se decompõe. Como eu luto para o Lauro não se decompor. Será que se eu pensar nele todo dia consigo que o rosto dele nunca suma da minha cabeça?
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Foi tudo a mesma coisa mas um pouco diferente, como a vida sempre é, tudo a mesma coisa mas um pouco diferente.
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o mundo é cheio de pares de um graúdo e um pequeno.
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sou feito tatu, não posso ver um buraco que quero espiar dentro.
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É um problema de todas as crianças dessa época, achar que tem que ficar fazendo alguma coisa o tempo inteiro, como se estar aqui vivendo já não fosse uma ocupação.
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Desde que Cora tinha nascido eu só ia a países colonizados pelo Starbucks.
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Estava iluminado pela lua, a lua solitária de São Paulo, sem uma constelação que apareça por inteiro para lhe fazer companhia.
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Como pasto para ter um pouco de bem-estar, o tempo todo vivendo em desnível, ansiosa pelo trabalho ou exaurida por ele, faminta ou empanturrada pela gula, sedenta ou transtornada pela bebida, e sempre tão dificilmente em equilíbrio, a plenitude pairando sobre uma navalha sempre prestes a cortá-la ao meio.
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Aprendi num dos nossos documentários que o cérebro não distingue uma situação imaginada de uma vivida. Portanto, toda mãe já viveu a morte do filho e a dor consequente, em pesadelos ou devaneios diurnos, por segundos, minutos, quiçá horas. O que torna a vida suportável é a mescla de projeções boas e ruins que fazemos, um relativo equilíbrio.
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Senti inveja dos crentes, da bengala que usavam para atravessar a vida.
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até lidava bem com drogas, mas só as recomendadas pela FDA ou perseguidas pelo FBI.
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E o foco dos indígenas não tinha nada a ver com hedonismo, o que eles faziam era treinar para encarar temores. Tudo girava em torno de enfrentar o medo, algo que achei fascinante, porque fui educada para suprimi-lo.
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Talvez paixões sejam avassaladoras também por isso, porque se apaixonar por outro é se apaixonar por uma nova possibilidade de si mesmo.
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Quase nunca temos terra pra nada, sempre estamos tão longe de onde nossos pés nunca deviam ter saído, vai ver por isso sofremos tanto.
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Olho o rosto tenso do Cacá. Esse cara já foi meu namorado, meu marido, meu amigo, em alguns momentos meu pai. Agora é também meu irmão.
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Não seria bom se a gente pudesse fazer isso, desligar como uma máquina desliga? Viveríamos um pouco e voltaríamos a viver quando doesse menos.
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Se cada porta e cada janela de uma cidade escondem um mistério, por mais banal que seja esse mistério, quantos se escondem num lugar do tamanho de São Paulo?
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Mas também paga o preço de ter amado, o amor sempre cobra um preço tão alto, está na cara que sofre mais a perda do que eu.
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não há nada mais distante da vida do que a idealização da vida.
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Os relacionamentos amorosos vão, a lua de mel com o filho homem esfria, mas mãe e filha seguem enganchadas, trocando farpas até o último suspiro, na relação mais difícil mas talvez mais bonita de todas.
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Sabe o quanto é insuportável conviver com alguém tão compreensivo que não dá nem pra odiar de vez em quando?
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Ednardo diz que é São Paulo, mas nem precisava avisar. Eu reconheço essa desgraça de longe. Esse monte de prédios sem cor. Casulos empilhados uns em cima dos outros, milhões de casulos. Dentro de cada um, uma lagarta, fiando o dia inteiro, a semana inteira, a vida inteira. A maioria sem nunca virar mariposa.
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Eu era rica e não sabia. Agora não tenho nada, e mesmo não tendo nada, sigo tendo alguma coisa a perder.
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Uma delas enorme, cheia de raízes. Sinto raiva da sua estabilidade. É fácil ser planta e não ter memória. É fácil ser planta e não ter arbítrio.