Albarus Andreos 16/06/2011O Último Desejo ou A Útima Frustração?Desta vez venho uma missão difícil. Trata-se de O Último Desejo (Editora WMF Martins Fontes, 2011), do polonês Andrzej Sapkowski, um economista cuja carreira literária começou tardiamente em 1996, aos 48 anos, quando publicou alguns contos fantásticos na revista polonesa Fantastyka. Seu sucesso foi imediato, e ele logo emplacou a publicação da série do bruxo Geralt de Rívia, que já tem mais de um milhão e meio de exemplares vendidos e muitas críticas positivas na mídia, incluindo revistas como a Time americana (e não me perguntem como um estrangeiro que não ganhou um Nobel conseguiu publicar um livro de fantasia na terra do Tio Sam, porque isso é algo quase impossível de se pensar.
Pergunto-me: talvez este êxito se deva a genialidade de Sapkowski? Não creio, o livro não é tão bom assim. Não que seja ruim, muito pelo contrário, a noção de (alta) fantasia do autor é perfeita, não economiza magia e criaturas fantásticas; o vernáculo excelente, com um vocabulário muito rico e convincente, mas... Não penso o mesmo de sua narrativa (que aqui identifico como a habilidade que o autor tem de encadear os fatos e contar sua história).
Os títulos de cada capítulo pouco dizem sobre eles e seriam absolutamente dispensáveis. O primeiro do livro se chama A Voz da Razão 1 e pouca conta além de uma gostosa relação sexual. Onde tem voz e razão naquilo não consegui identificar. O enredo titubeia. A narrativa do conjunto da obra não é linear e no princípio achei que lia uma coleção de contos e não um romance único. Ok, não há nada de mal em não se ter uma história não linear, isso se você comprou um livro de contos e o autor tem habilidade em encadear as diversas partes do livro de tal forma que no final tenhamos um mosaico formado, que nos dá um panorama final bem definido e inteligível. Não é o caso.
Por outro lado, não aprecio muito estas características se tenho um romance nas mãos e as partes do livro parecem voar umas em direção às outras, pulando fatos menos importantes (mas que são conexões e fazem a continuidade da trama) que ligam estas diversas partes. Isso demonstra pouca habilidade do autor exatamente em fazer estas partes interessantes. Encher a linguiça também é questão de habilidade! Quem não tem, acaba tomando decisões como Sapkowski e simplesmente cortando fora estas partes. Em suma: cada capítulo parece estranhamente desencadeado do anterior e só conseguimos fazer ligação com o posterior com alguma dificuldade. Essa não-linearidade escolhida pelo autor, na minha opinião, prejudica o clima, inserindo rupturas na trama, e a trama, já que toquei no assunto, também não é lá muito boa.
Temos a história de um bruxo, Geralt, vindo de um lugarejo chamado Rívia, e ele é um caçador de recompensas. As coisas que ele caça são monstros! Uau! você diria, como eu mesmo disse quando li a sinopse de capa. Contudo a ideia empolgante e sugestiva não ajuda já que cada passagem é contada com tal falta de entusiasmo e com tanta mecanicidade que me pergunto se o autor sente emoções. Seria a diferença entre eslavos e latinos mostrando o quanto somos diferentes? Não que escreva mal, reitero, mas falta cor e um pouco de Hollywood à trama. Os monstros em cada cidadezinha são tão cotidianos que tiram aquela gostosa sensação de perigo e terror necessário a uma literatura do gênero, comumente associado a aparições bizarras babando gosmas verdes. O caçador de monstros caça as criaturas como um exterminador de insetos vem à sua casa acabar com as joaninhas do jardim, mesmo que este último acabe encontrando algumas aranhas peludas e escorpiões assustadores, de vez em quando. O que quero dizer, é que a facilidade com que o bruxo vai de um monstro a outro nos lembra um jogo de videogame em que o personagem mata centenas e centenas de criaturas bizarras tão elementarmente como se cortasse as unhas, em sequencia (aliás, como nos informa uma nota de quarta capa, este livro inspirou o game The Witcher. Dá para ver como...).
Geralt e um amigo, Jaskier, acabam, durante uma pescaria, encontrando um gênio e este causa um ferimento grave em Jaskier; Geralt vai até uma cidadezinha e conhece uma feiticeira, Yennefer, a mulher que viria a ser seu grande amor. Ela tenta capturar o gênio para servi-la e acontecem algumas coisinhas ali. Essa parte nos é contada em flashback, enquanto o enredo principal nos falava de como Geralt, após enfrentar uma estrige aqui e uma quiquimora acolá, volta a um reino onde não é bem vindo e os nobres locais querem sua partida, com direito a duelo etc. Ali existe um templo edicado a deusa Mellitele, onde uma sacerdotisa, Nenneke, é uma espécie e mãezona para Geralt; este revela a ela suas andanças e suas necessidades, ela o aconselha e ficamos assim. É um resumo um tanto quanto apressado demais, mas não há nada de muito excitante para contar mesmo.
Os personagens, por sinal, na maioria com nomes muito bons (os nomes são muito importantes para os personagens de fantasia, como já devem ter percebido), são apáticos e frios e dialogam interminavelmente. As passagens que eram para ser engraçadas não descolam nossos lábios nem para um risinho frouxo, as situações que deveriam prender a respiração, quando uma luta se trava entre um monstro e Geralt de Rívia, por exemplo, nunca acontecem. O ritmo é sonolento e os diálogos deveras rebuscados, faltando um pouco de graxa para dar mais agilidade, mas o vocabulário do autor é rico e delineado, suas descrições da fauna e das paisagens muito detalhadas, o que não acrescenta, por si só, calor, cheiro ou energia real aos personagens. As falas, longas demais, prejudicam a dinâmica. E quanto ao tal último desejo, que dá título ao livro, tenha dó! Chega a ser ridículo, para não falar da pouca criatividade.
Mas nem tudo é frustração. A inventividade do autor é fantástica! Cria situações e saídas para elas que são muito bem elaboradas. Ele consegue agregar um passado para o personagem principal que lhe dá substância e os personagens secundários vão, aos poucos, ganhando espaço e importância nos transcorrer dos fatos.
O autor conhece sua mitologia e se dispõe a contar uma boa literatura fantástica, mas não chega a realizar a tarefa de contar uma GRANDE saga. É mais humilde em suas pretensões e o resultado, na minha opinião, é igualmente modesto. O Último Desejo é um daqueles livros indicados para fanáticos por fantasia. Se seu dinheiro anda curto, deixe esta leitura para mais tarde e, quem sabe, sua vontade de ler o livro de Sapkowski aumente e as páginas deste livro possam ser mais agradáveis e não tão... humildes.