Carla Verçoza 26/05/2022
Gostei demais dos contos desse livro, que é o de estreia do autor. O livro começa muito bem, os três primeiros contos são meus preferidos, junto com o Leopoldo, oitavo conto. Gostei muito de quase tudo, o que pra mim é algo raro de acontecer com livros de contos. Escrita bonita, inteligente, paródias com humor, crítica social, cultura, tudo isso em contos curtos porém consistentes. Não conhecia o autor e estou impressionada.
"Padece você de uma das doenças mais normais no gênero humano: a necessidade de comunicar-se com seus semelhantes. Desde que começou a falar, o homem não encontrou nada mais aprazível que uma amizade capaz de escutá-lo com interesse, seja para a dor, seja para a fortuna. Nem mesmo o amor se equipara a esse sentimento. Há quem se conforme com um amigo. Existem aqueles aos quais mil não bastam. Você corresponde aos últimos, e é nessa simples correspondência que se originam sua desgraça e meu oficio." Pág. 25
[AVISO DE SPOILER] Abaixo, resumo dos contos com spoilers:
Conto mister Taylor
A conta história do americano mister Percy Taylor caçador de cabeças na selva amazônica. A história trata de um homem que começou a enviar para um parente nos Estados Unidos as cabeças pequenas que os indígenas de uma tribo faziam. O tio começou a ganhar muito dinheiro, as cabeças nós EUA se tornaram símbolo de status, o exótico. mr. Taylor entrou na sociedade e cada vez mais enviava os artefatos. A aldeia se modernizou com o comércio. Qdo as mortes não acompanhavam a demanda por cabeças, criaram-se leis com pena de morte para qualquer delito leve, tudo para ter mais cabeças para exportação. O conto tem um tom caricato, absurdo e com pitada de humor, no meu ver uma crítica ao capitalismo e ao sequestro de artefatos e cultura da tribo pelo homem branco. 5/5
Um em cada três
Um homem q observa outro, envia uma carta para ele oferecendo uma solução para um problema. De tanto observá-lo, percebeu a ele era do tipo que gosta de desabafar com seus amigos, com vários deles, não aceitando conselhos q desagradam, mesmo sendo coerentes, recorrendo assim a um amigo seguinte. Ele sugere que compre um aparelho de radiodifusão, que aí contará dia história e poderá desabafar com n pessoas ao mesmo tempo. O conto reflete sobre a necessidade das pessoas em se mostrarem, em falarem de si, de compartilhar a vida (tão comum hj em dia nas redes sociais). Gostei do humor irônico. 5/5
Sinfonia acabada
Conto mais poético até aqui, um velho encontra as páginas finais da Sinfonia Inacabada de Schubert. Ao contar a novidade na Guatemala, foi chamado de louco. Foi-se para Viena e lá foi ainda pior, pois lá existem muitos estudiosos e não seria um guatemalteco quem os ensinaria a identificar papéis desaparecidos (está à margem da "alta cultura"). Encontrou lá um casal de judeus q havia vivido em buenos Aires q o acolheu. Quando tocaram as folhas encontradas, constaram q era mesmo original. Choraram. Disseram q era belíssimo porém estragaria o mito e não acrescentaria nada à genialidade da obra inacabada. Último trecho é bem bonito:
"se ele respeitava e amava verdadei ramente a memória de Schubert o mais inteligente era lhes permitir guardar aquela música porque ademais qual seria o sentido de iniciar uma polémica interminável o único que sairia perdendo seria Schubert e ele então convencido de que nunca conseguiria nada entre os filisteus menos ainda com os admiradores de Schubert que eram piores embar cou de volta para a Guatemala e durante a travessia numa noite enquanto a luz da lua batia em cheio sobre o espumo so lado do barco com a mais profunda melancolia e farto de lutar com os maus e com os bons pegou os manuscritos e os rasgou um a um e atirou os pedaços pela borda até estar bem certo de que nunca ninguém os encontraria de novo e ao mesmo tempo finalizou o gordo com certo tom de afetada tristeza que grossas lágrimas queimavam suas bochechas e enquanto pensava com amargura que nem ele nem sua pátria poderiam reclamar a glória de haver devol vido ao mundo umas páginas que o mundo teria recebido com tanta alegria mas que o mundo com tanto senso co mum rechaçava." 5/5
Primeira-dama
O ego disfarçado de solidariedade. A primeira dama queria recitar poesias, mostrar sua arte e encontrou a oportunidade qdo um diretor escolar pediu a ajuda para alimentar os alunos q desmaiavam de fome nas aulas. Ao procurar o presidente para pedir ajuda, este pergunta se ele não estava virando comunista, apenas por querer comida para crianças pobres poderem estudar sem desmaiar. Mostra o descaso da classe política e também dos ricos, que não querem justiça social, mas gostam de posar de caridosos, sempre com intenções egoistas. Também o medo de contrariar quem está no poder, nas ditaduras da América Latina isso poderia ser uma sentença de morte. 4,5/5
Eclipse
Religioso é capturado por nativos e para evitar q seja sacrificado por eles, tenta usar de seu conhecimento de q haverá um eclipse solar naquele dia, para passar por algo mágico e se salvar. Corta para ele sendo sacrificado no altar durante o eclipse, enquanto os nativos mostram q já conhecem o calendário de eclipses previstos pelos maias. Muito que bem! O conto vai direto ao ponto. Mostra bem a arrogância do branco conquistador q se acha superior aos povos originários. 5/5
Diógenes também
Não sei se entendi bem. Preciso reler.
Filho de pai alcoólatra conta dos abusos, do pai ausente, de como ele mesmo se tornou um. As vezes a visão é do filho, depois passa a ser a mãe, depois o pai. O cão é morto pelo pai, depois diz q foi o filho, q na verdade sofria de transtornos mentais e estava internado e q não tinha mãe e fora criado pelo pai e a avó. 3/5
O dinossauro
"Quando despertou, o dinossauro ainda estava ali. " Esse é o conto
Velhas ideias, velhos comportamentos ainda persistem??
Saiu no período da ditadura, o dinossauro seria o ditador?? 5/5
Leopoldo (seus trabalhos)
Escritor que não escrevia. Se acha um grande intelectual, passa todo o tempo lendo e posando de escritor, porém não gosta de escrever. O homem medíocre que tem certeza que é máximo. A busca pelo status sem ter o talento. 5/5
O concerto
Um homem rico em poderoso assiste ao concerto da filha pianista. Não gosta de arte, não entende, mas sabe que a filha é mediana. Fala sobre a falsidade dos amigos que a aplaudem apenas por bajulação, sobre as boas críticas de jornalistas comprados. Sente impaciência e tristeza com a filha, qdo ela se entristece por achar q não executou bem. Ele chega a odiar porém é sua filha, então sofre também. Pobre gente rica. 4/5
O centenário
Homem de 2 metros e 47 centímetros, ficou famoso e rico por sua altura. Adorava as moedas recebidas. Morreu no México, na festa do centenário, justamente por se agachar para pegar uma moeda de ouro (um centenário). Irônico. 4/5
Não quero enganá-los
Na exibição de um filme, os atores e diretores entram antes para falar ao público. O mestre de cerimônia introduz a grande atriz q começa a discursar sobre como ela não é atriz, muito menos grande e se prolonga nisso, q não é, não sabe atuar, não estudou etc. Gera constrangimento e entedia o público, o q faz q o mestre de cerimônias fique inquieto e perde um pouco o controle, começando a gesticular como louco. Engraçado. 4/5
Vaca
Ao viajar de trem, vê uma vaga morta abandonada na margem da estrada. Um conto que reflete sobre a morte e o esquecimento, a ingratidão do mundo. Adorei a concisão desse conto, incrível o que ele faz com tão poucas palavras.
"(...) uma vaca morta mortinha sem que houvesse quem a enterrrasse, nem quem editasse suas obras compleas, nem quem lhe dissesse um emocionado e choroso discurso por quão boa havia sido (...)" 5/5
Obras completas
Uma alfinetada aos escritores, talvez? Sua arrogância, intelectualidade, seus círculos fechados. Um jovem autor promissor vai sendo diminuído por um autor mais velho e já consagrado até se tornar somente um preparador das obras completas desse senhor. 4/5