Eduarda Graciano do Nascimento 02/01/2018Hail Margaret Hale Na pacata cidade de Helstone, na Inglaterra rural do século XIX, vive Margaret Hale. A jovem de 19 anos, após morar por alguns anos na capital, vive no campo uma vida tranquila e feliz com os pais.
Certo dia, porém, seu pai - que é pastor - mergulha em delicadas questões de consciência que fazem com ele decida deixar seu posto na igreja. Os Hale são, então, obrigados a se mudar, e Margaret enfrentará grandes dificuldades na tentativa de se adaptar à fumacenta e deprimente cidade industrial de Milton.
Ainda absorta em sua recusa ao pedido de casamento de Henry Lennox, o cunhado de sua prima Edith, Margaret recebe a notícia de que terá de deixar seu tão amado sul.
Apesar de muito jovem, a moça tem personalidade decidida e opiniões fortes. Por conta disso, de cara desenvolve uma animosidade com o rico industrial John Thornton, um dos pupilos de seu pai (que, com problemas financeiros, agora dá aulas) que é dono de um próspero moinho de algodão.
Margaret acha John duro, frio e tão insensível quanto a cidade à qual pertence. Ela não compreende a desumanidade com que os industriais tratam seus empregados e chega a confrontá-lo em diversos momentos.
" - O senhor não sabe nada do sul. Se há menos aventura e menos progresso suponho que não devo dizer menos excitação provocados pelo espírito de jogatina do comércio, que parece forçar a criação dessas maravilhosas invenções, também há menos sofrimento. Vejo homens aqui, andando de um lado para outro nas ruas, que parecem derrotados por alguma perturbadora tristeza ou preocupação, e que não são apenas sofredores, mas inimigos. Lá no sul temos lá os nossos pobres, mas não há nos seus rostos essa terrível expressão de doloroso senso de injustiça que eu vejo aqui."
Em meio à poluição de Milton, à desentendimentos e aos primeiros movimentos grevistas que marcaram a revolução industrial, Margaret precisará habituar-se à visão da desunião, da pobreza e da fome, e a lidar com os sentimentos de um homem a quem despreza mais do que ninguém.
Não tem como começar 2018 melhor.
Norte e Sul (também já lançado como Margaret Hale, o nome com o qual seria lançado a princípio) é maravilhoso e um dos meus livros favoritos da vida! Ele merecia mesmo o nome de sua protagonista, que e é extremamente inspiradora e sofre muito durante a história.
Quem já ouviu falar desse livro provavelmente conhece às comparações com Orgulho e Preconceito (a Gaskell realmente bebeu dessa fonte) acompanhado do do termo "consciência social" ou ainda "se Jane Austen e Karl Marx tivessem escrito um livro..."
Norte e Sul é uma pedida, eu diria até fundamental, para quem quer conhecer o contexto da revolução industrial e as condições de trabalho em meados do século XIX. Gaskell nos apresenta de forma magnífica os primeiros movimentos sindicalistas e a luta entre a classe burguesa e a classe trabalhadora.
John Thornton é o típico patrão burguês. Após a morte do pai, assumiu a responsabilidade da casa e ergue do nada sua fábrica têxtil. Assim sendo, a prosperidade de seus negócios é o mais importante para ele. E Margaret o enxerga como alguém que passa por cima de tudo e de todos para crescer.
Sendo o mocinho, o Sr. Thornton não pode ser de fato um diabo, e de todos os industriais retratados, temos consciência de que ele é o mais humano (ainda que Margaret não o saiba).
" [...] Será que fora feito todo o possível para minorar os sofrimentos daqueles poucos? Ou, no triunfo da multidão, seriam os fracos pisoteados , ao invés de serem gentilmente afastados do caminho do vencedor, a quem não tinham condições de acompanhar na sua marcha?"
Os dois protagonistas são a personificação de tudo o que representam o norte e o sul naquele contexto. Essa oposição leva ambos à várias discussões durante a leitura, sobretudo a respeito dessas duas regiões, instigadas pelo preconceito que carregam.
O preconceito é um tema muito retratado no romance, através de Margaret principalmente, que tinha, por exemplo, uma visão da classe operária antes de se mudar para o norte, e de repente se vê no meio de uma luta de classes, da qual acaba tomando parte ao fazer amizade com Nicholas Higgins e sua filha Bessy - esta acometida de uma doença incurável nos pulmões por conta dos anos passados em fábricas.
“...– Mas por que fazem greve? – perguntou Margaret. – Entrar em greve é deixar o trabalho até que consigam os salários que desejam, não é? Não se espante com a minha ignorância, lá onde eu vivia nunca se ouviu falar de uma greve.
– Quem dera eu vivesse lá – disse Bessy, com a voz cansada. – Mas não suporto mais ficar doente e cansada com essas greves. Esta é a última que vou ver. Antes que termine, já estarei na Grande Cidade, a Sagrada Jerusalém."
Nicholas é um dos líderes do movimento grevista e Margaret fica no fogo cruzado ao manter relações estreitas tanto com operários quanto com um patrão (ainda que com esse o laço não seja exatamente de amizade).
Essa posição da Margaret é interessantíssima para o leitor, que pode vivenciar intimamente o que acontece nos dois lados da história. Mas que fique claro que não é uma questão de torcer para um desses lados. Se torcemos pra alguma coisa, é para que o Sr. Thornton e a Srta. Hale sejam ambos menos cabeças-dura e se entreguem afinal aos seus sentimentos. Sentimentos esses que Margaret reluta bastante em assumir.
E não sei se minha resenha deixou transparecer mas, sim, dá pra suspirar bastante!
Já faz um tempinho que li esse livro e posso dizer que não tinha como eu estar mais "imersa" no contexto, já que lá estava eu sentada na escadaria da prefeitura de Campinas (da qual sou funcionária) em meio à greve dos servidores lendo justamente Norte e Sul.
É claro que me senti ainda mais fortalecida e inspirada, não só pelo contexto, mas principalmente por estar em companhia de uma mocinha tão independente e corajosa como Margaret Hale.
site:
http://www.cafeidilico.com/2018/01/norte-e-sul-elizabeth-gaskell.html