evavcamargo 30/10/2023
O que temos de mais precioso que as lembranças?
Preciso admitir que eu amo livros que “não prometem nada”, mas entregam tudo. A verdade é que eu não conhecia o autor e muito menos sua obra até assistir um tiktok de uma moça encontrando com o Blake na Bienal. Sua emoção genuína me desarmou e sou adepta da constatação de que se alguém faz tão bem assim a outrem, é porque alguma coisa boa tem aí, então, comprei o e-book e me lancei na leitura.
E que bom que fiz isso!
“O tempo não passa de memórias sendo escritas.”
Fiz a marcação dessa frase na posição 42, ou seja, bem no início e eu já havia achado-a impactante, mas eu não imaginaria o peso que ela exerce no restante da obra. Após o término da leitura, voltei até esse trecho e o reli, entendendo-o e absorvendo essa frase de outras formas - ainda mais profundas.
Em Recursão (o nome do livro é sugestivo) acompanhamos Barry e Helena, um policial de NYC e uma cientista em ascensão e de início eles não têm absolutamente nada em comum. Barry é divorciado, carrega consigo a dor da perda de sua filha e leva uma vida pouco saudável, tanto física quanto mentalmente. E Helena, uma cientista brilhante, mas frustrada, que trabalha incessantemente em sua pesquisa focada em neurociência, principalmente tentando descobrir como recuperar e mapear lembranças, tentando inclusive, como fazer um backup dessas memórias - descobrimos o anseio pessoal em sua pesquisa ao saber que sua mãe sofre de Alzheimer.
A vida dos dois se conecta, principalmente, após Barry começar a investigar sobre uma nova síndrome que assola os Estados Unidos: a SFM ou Síndrome da Falsa Memória. Essa síndrome tem causado em diferentes pessoas a sensação de memórias adjacentes às delas, deixando-os confusos sobre o que é real ou não. O policial inicia uma investigação ao passo que Helena avança em sua pesquisa, após encontrar um estranho empregador disposto a dar a ela tudo o que precisa.
“Se cada lembrança contém um universo, o que se poderia chamar de simples?”
Crouch narra o livro em terceira pessoa e acho genial sua escolha, que aliado a qualidade de sua escrita nos coloca como espectadores de sua história - na verdade, senti quase como se estivesse revivendo aquelas memórias.
Falando um pouco sobre a escrita, a descrição de sentimentos e cenas é surreal e te faz ter uma imersão profunda na história - foi realmente um dos meus pontos favoritos.
Eu indico ler com calma e em um ambiente que se sinta confortável, pois no início acompanhamos duas linhas temporais diferentes e várias situações que a princípio não se conectam, mas, precisamos nos atentar aos detalhes, por isso é uma leitura mais complexa - mas, não chata e nem cansativa.
A construção do texto é feita em livros e em cada um deles vimos um desenrolar diferente dentro da história e toda vez que começava um, eu sabia que teria um ponto de virada na história - leia com atenção as frases de cada livro, elas irão permear os próximos acontecimentos.
O ritmo muda totalmente nos últimos livros (a partir do terceiro já se intensifica, mas nos últimos dois é grito atrás de paulada! haha) e eu não consegui parar de ler, já que queria saber o que acontecia.
Em minha primeira consideração sobre o livro, achei esse final muito corrido - muita coisa acontecendo em pouco tempo, mas depois… Eu entendi a ideia central de toda a história: “(...)tempo é uma ilusão construída pela memória humana. Não existe passado, presente ou futuro. Tudo está acontecendo agora.”. Ou seja, precisamos abrir mão da necessidade de linearidade da história, linhas temporais e acontecimentos, o tempo perde essa característica de controle absoluto, ele se torna fluido e inconstante e parece ser essa consideração que Crouch queria para nós.
O livro fala muito sobre relações humanas e perdas, por isso, me senti particularmente tocada (perdi uma pessoa muito amada e que me amou muito de volta) e ao final, após lágrimas de entendimento, essa história teve o poder de me curar um pouquinho trazendo algo que é necessário: a aceitação.
“Só dói porque ele viveu algo lindo que se foi.”
Eu indico muito essa leitura, vale totalmente o hype, ouso dizer que se transformou em um dos meus livros favoritos da vida e vou panfletar sim! Deixo meu agradecimento a booktoker que postou aquele vídeo tão lindo e me fez encontrar esse tesouro.
E os meus mais sinceros agradecimentos ao Blake Crouch que trouxe essa belezinha até nós. Você é demais, cara!