ana paula 15/08/2024
No meio do caminho tinha uma ciranda de pedra
É sempre uma experiência magnífica ler Lygia Fagundes Telles. É um privilégio falar a mesma língua que ela e poder lê-la sem tradução, diretamente da fonte. Que honra! Comecei o livro sem saber o que esperar, apenas fui em um fluxo, a história não me pegou de primeira, fiquei tentando entender onde a história poderia chegar, mas em momento algum achei enfadonho, e é nisso que habita o primor de Lygia e o porquê ela é extraordinária. Ela cria uma atmosfera que suga sua atenção, te seduz. Utiliza os objetos em cena como uma extensão dos próprios personagens e suas emoções. Em suas narrativas, um quarto nunca é só um quarto, sempre tem um objeto que causa aflição ou é motivo contemplação. E assim, ela vai criando sua "mise-en-scène" com tamanha elegância que encanta em cada momento de sua escrita. Nessa trama acompanhamos o desabrochar de Virgínia, que começa a história como uma criança e termina já na fase adulta e a forma que Lygia representa essa travessia é magistral, dando vazão aos sentimentos mais profundos de Virgínia: seu medo, ciúmes, curiosidade, a vontade de ser desejada, tudo isso é frito meticulosamente com só a elegância que Lygia tem. E a trama vai progredindo, se no início temos uma Virgínia bastante introspectiva e presa em suas alegorias, mais pra metade a trama toma contornos sensuais, sombrios, mas ainda assim mantém o alegórico, ora desencantada com o mundo ao seu redor que desmorona, ou com um mundo que ainda pode ser desbravado. A nostalgia da infância, das certezas inocentes, de Deus, de um referencial e o anseio pelo primeiro amor, a vontade de pertencer e adentrar na ciranda é depois a vontade de partir.