Leila de Carvalho e Gonçalves 11/11/2022
Sobre Uma Mãe
A Coreia do Sul caracteriza-se pelo rápido crescimento econômico ocorrido nas últimas décadas, com significativa redução da pobreza. Por outro fado, possui uma sociedade conservadora que estigmatiza as minorias sexuais e propaga o sexismo endêmico.
Sua literatura também é bastante peculiar e vem angariando interesse ao redor do mundo, por apresentar tal conjuntura mediante um olhar majoritariamente feminino e dessa lista, Kim Hye-Jim é o mais novo nome a ganhar espaço nas estantes de nossas livrarias com o romance Sobre Minha Filha.
Publicado pela Editora Fósforo e traduzido direto do coreano, ele foi o vencedor Prêmio Shin Dong-yup em 2018 e aborda um conturbado relacionamento intergeracional que é narrado por uma viúva que, jamais nomeada, se recusa a aceitar a homossexualidade da única filha, Green, esperançosa de que seja ?um erro passível de ser corrigido?.
A situação atinge seu clímax, quando a jovem, uma professora universitária passando por dificuldades financeiras, volta a morar na casa da mãe, trazendo consigo Rain, sua companheira há sete anos.
Paralelamente, ambas enfrentam desafios pessoais, enquanto Green é uma militante LGBTQIA+, atividade que coloca em risco seu emprego e a própria segurança; a mãe é uma cuidadora de idosos em constante atrito com a direção da instituição onde trabalha cuja prioridade é reduzir ao máximo os gastos com os pacientes. Um bom exemplo é Zen, uma respeitada defensora dos direitos humanos que sofre de demência, não possui parentes nem amigos para lhe dar assistência no final da vida. Aliás, algo que, se a filha permanecer solteira, a mãe teme que possa ser o destino das duas.
Em resumo, se a questão da homossexualidade divide mãe e filha, a última demanda tem a capacidade de aproximá-las. Fortes, voluntariosas e com exacerbado senso de justiça, elas são mais parecidas do que supõem e a tridimensionalidade dessas personagens, em especial, a tridimensionalidade da mãe distingue o romance.
Facilmente Kim Hye-Jim poderia ter caído na armadilha de criar uma protagonista execrável, entretanto isso não ocorre. Na verdade, trata-se de uma personagem que da intransigência inicial, pouco a pouco admite rever seus valores. A questão é que mudanças efetivas não se concluem num passe de mágica e até podem ser inexequíveis.
Enfim, Sobre Minha Filha é um delicado relato sobre difícil a arte da convivência em família. Recomendo.
Nota: Está errado o emprego da palavra ?minoridade?, menor de idade, no trecho abaixo. O correto é minoria.
?Mãe, olhe pra isso aqui. Essas palavras se referem a mim. Minoridade sexual, homossexual, lésbica. Tudo isso aqui está falando de mim. Isso sou eu. É assim que as pessoas se referem a mim e impedem que eu tenha família, trabalho ou qualquer coisa. Eles não me deixam fazer nada, entendeu? E a culpa é minha? Sou eu a culpada?? (Posição 976, e-book)