spoiler visualizarRick Shandler 17/06/2024
Os vulneráveis - Sigrid Nunez
“Só quando era jovem eu acreditava que era importante lembrar o que acontecia em cada romance que lia. Agora sei a verdade: o que importa é o que você experimenta durante a leitura, os estados de sentimento que a história evoca, as questões que surgem em sua mente, muito mais do que os eventos ficcionais descritos”.
É assim que Sigrid Nunez inicia “Os vulneráveis”. Um alerta necessário aos leitores do seu livro, pois seu enredo é o que menos importa. Este não é um livro sobre uma escritora anciã e um jovem da geração Z, ambos dividindo um apartamento, fumando um baseado e cuidando de um papagaio em meio a pandemia. “Os vulneráveis” é uma incursão nos mais diferentes e intrincados pensamentos de uma mente aguçada que acaba de ser provocada por um dos mais marcantes eventos da história da humanidade, a Pandemia do Covid-19.
A Pandemia trouxe uma introspecção compulsória. Eventos assim, que nos levam a pensar “pra dentro” não são assim tão raros. No âmbito pessoal, podemos pensar num luto, numa grande decepção, num grande trauma pessoal. Todos nós passamos por momentos assim, momentos que nos fazem “refletir na vida”. Estes eventos também ocorrem em um âmbito coletivo. Uma família que compartilha um luto, uma cidade que vivencia uma tragédia, como a da boate Kiss por exemplo, ou até mesmo um estado inteiro como vemos com a enchente que assola o estado do Rio Grande do Sul. Todavia, nada irá se comparar a magnitude da pandemia que a pouco enfrentamos. Num mundo em que polarizações e diferenças se aguçam, encontramos algo que nos une, algo que todos temos em comum: todos sofremos com a pandemia, todos nos descobrimos vulneráveis.
A narradora do livro é uma vulnerável, como ela deixa bem claro. Ela foi definida assim por sua idade avançada. Mas ela não está só em sua vulnerabilidade. Suas amigas são vulneráveis. O jovem Ervilhaca também é um vulnerável. O papagaio Eureca é vulnerável. O meio ambiente em si, representado por Eureca, é vulnerável. E, como a pandemia veio nos mostrar, nossa sociedade e o mundo como conhecemos, todos vulneráveis. Mas, ao contrário do que pode parecer, isso não é de todo ruim. Nossa vulnerabilidade nos conecta, nos aproxima, nos sensibiliza e nos prova cada dia que estamos vivos. Afinal, o que é a vulnerabilidade se não mais uma prova de que estamos vivos?
Política, meio ambiente, desigualdade, capitalismo decadente, saúde mental, os velhos problemas familiares e o conflito geracional. Vulnerabilidade, muita sensibilidade e uma mente afiadíssima em autoanálise. "Os vulneráveis" é uma profunda reflexão sobre o mundo que nos espera pós-pandemia. Tem que ler.