Jef 16/11/2024
UMA DECLARAÇÃO DE AMOR À CULTURA JAPONESA
Contada em terceira pessoa, A Misteriosa Livraria Yokai é um livro nacional da Faro Editorial escrito por Eliel Barberino. Do estilo ficção de cura (Cozy Fantasy), aborda a riquíssima cultura japonesa, especialmente a mitologia dos seres folclóricos conhecidos como yokais, que vivem na livraria de Tóquio do protagonista, Hiro, um jovem que a herdou do avô.
A Misteriosa Livraria Yokai é um livro leve, bem humorado e com boas passagens reflexivas nos seus 20 capítulos e 160 páginas.
Um livro que pode ser lido em poucos dias (ou horas) e quebrar qualquer ressaca literária.
Recomendado para todas as idades, principalmente aos amantes de cultura japonesa e BL (Boys Love).
SOBRE
A narrativa é fluida como o rio Shinano e tem uma escrita sólida como o Monte Fuji.
Há boas descrições, bastante imagéticas, uma atmosfera mística e sobrenatural bem construídas, além das diversas referências à cultura japonesa que agregam muito. Referências a mangás como Mahou Sensei Negima, a literatura de Haruki Murakami, ao famoso estúdio Ghibli, ao Budismo e ao Xintoísmo.
PONTO FRACO
Como nada neste mundo é perfeito, vamos ao ponto fraco do livro: o relacionamento entre Hiro e Miguel. Para mim, descartável, pois não há um mínimo desenvolvimento.
É tudo muito rápido. Sem aprofundamento sobre a questão de diferenças culturais entre Japão e Brasil e de como os japoneses encaram a homossexualidade, visto que o relacionamento entre eles parece ser muito natural para os japoneses.
O romance entre os rapazes é instantâneo. Passando do platônico para um namoro em pouco tempo. Como em nenhum momento é citado o sobre Akai no Ito (o Fio Vermelho do Destino), a atração de um pelo outro surge de modo impositivo e não acrescenta muito à trama principal, a trama de Hiro descobrindo sua conexão com seres sobrenaturais chamados yokais.
Os personagens não são marcantes, sendo Hiro, um protagonista aceitável, mas sem características que o tornem único. Sendo apenas um jovem tímido que deseja ser designer de jogos e descobriu ter o dom de ver e se comunicar com yokais.
Já Miguel é um personagem sem graça. Muito mais idealizado que um personagem de fato.
Não conhecemos nada de relevante sobre ele, apenas que é brasileiro, trabalha em algum lugar e gosta da cultura japonesa. Nada sobre sonhos, vontades e contradições. Miguel apenas existe para ser o par romântico de Hiro. Não como um personagem que acrescenta ao livro, pois não há grandes momentos dele, apenas como um coadjuvante da história.
Se fizermos o exercício mental e o retirarmos do enredo, a história funciona sem ele.
Eliel tenta forçar uma conexão, uma naturalidade e uma fofura entre os dois, que não funcionaram para mim. Provavelmente, o público que curte BL gostará, mesmo que o livro não seja dedicado exclusivamente a isso, ainda bem.
Acredito que se o livro focasse mais no plot principal e abandonasse o plot do romance gay por ser um livro curto, não passaria a sensação de se apressar no final e de não desenvolver algumas coisas que são apenas pinceladas.
O que também me incomodou, por eu ser chato, foi na questão de escrita.
Repetições de palavras seguidas (sendo rapazes a campeã de menções). Há pouca variação de sinônimo e excessos de advérbios terminados em mente.
Um outro fator foi um diálogo expositivo entre os personagens quando se conhecem que existe apenas para revelar ao público os significados de nomes.
PONTO FORTE
Enquanto o livro perde pontos no quesito "Boys Love" e em algumas questões de diálogos e repetição de termos, ganha nas histórias dos yokais.
Há ótimos momentos quando Hiro precisa descobrir sobre os seres e ajudá-los. Nesses momentos que descobrimos sobre as histórias dos yokais e nos aprofundamos na cultura nipônica.
O autor brilha ao compartilhar o conhecimento adquirido de pesquisa e a paixão que possui pelo Japão.
Todas as partes que envolvem a ambientação, a cultura, e a mitologia dos yokais são fascinantes.
E falando sobre os yokais, o ponto alto do enredo, as histórias que mais gostei foram: a Hannya Ayane que se tornou o yokai por acreditar não ter o amor correspondido pelo dono da casa de chá, ao Tengu que havia desacreditado na humanidade, enxergando-a como um ser maléfico ao presenciar as bombas de Hiroshima e Nagasaki, a divindade esquecida Tetsuya, que com o passar dos anos perdeu o posto de kami e foi rebaixada e a Mochi, o pequeno oni, alívio cômico e amigo de Hiro que exala fofura e detém as melhores tiradas do livro.
Das temáticas abordadas pelo livro, minhas favoritas são: a enfermidade da vida humana em contraponto com a vida longa dos yokais, do tradicionalismo japonês em conjunto com a modernidade, a relação da espiritualidade japonesa e o misticismo, a importância e o zelo que há pelos livros.
CONCLUSÃO
Apesar do que me incomodou, a Misteriosa Livraria Yokai é um bom livro.
Do tipo de literatura que dá um "quentinho no coração", como dizem.
Uma experiência prazerosa e imersiva de ler.
Com o Japão tão bem descrito que me senti transportado para lá a cada virar de página.
É rico nas explicações (ainda mais que há notas e um glossário para quem não conhece sobre o Japão não se sentir perdido), nas descrições de lugares e dos yokais.
E o mais importante, é um livro que diverte, contagia e traz alegria aos leitores.
Eliel Barberino entrega nesta obra não só uma carta de amor à cultura japonesa como também uma carta de amor à literatura e aos mitos e folclores que moldam a sociedade.
A Misteriosa Livraria Yokai é uma obra que guardarei com carinho no santuário da minha mente.