Leonardo1245 28/07/2024
Mesmo depois de lê-lo pela terceira vez, ainda acho difícil falar sobre "O Continente". Geralmente, conforme eu vou avançando na leitura de um livro, a resenha vai se desenhando na minha cabeça, mas, enquanto eu lia a primeira parte da trilogia "O Tempo e o Vento", isso não aconteceu. É, de fato, uma experiência literária diferente.
Nesse primeiro volume da trilogia, a gente lê sobre o surgimento do clã Terra-Cambará. A ação do romance começa em 1745, quando, na Missão de São Miguel, nasce Pedro Missioneiro, e acaba em 1895, quando as forças federalistas abandonam a cidade de Santa Fé e o cerco ao Sobrado termina. Entre esses dois pontos, o leitor acompanha 150 anos de História do Rio Grande do Sul e como as famílias Terra, Cambará, Terra-Cambará e Caré foram se embrenhando nesses eventos históricos.
O livro funcionou muito bem pra mim como um vislumbre da História da formação do meu Estado. Ao longo dessas mais de 600 páginas, eu li, de maneira bem mais didática do que as dos livros escolares, sobre as atividades das missões jesuítas no RS, as guerras em que o povo gaúcho tomou parte contra os castelhanos na Banda Oriental, a Guerra dos Farrapos, a marcha contra Rosas na Argentina, a abolição da escravatura e a declaração da República. O próprio Erico sabia que a escola não ajudava ninguém a amar a História do RS e sua gente, e escreveu esses romances com o intuito de compensar essa falta. Pra mim, pelo menos, deu muito certo.
Os personagens aqui fogem à definição simples de "vilão" ou "mocinho". Todos são um deleite de conhecer e todos têm atitudes impossíveis de perdoar. Maneco era rígido, mas fazia o que achava certo pra proteger sua família. O capitão Rodrigo era incrível, mas escolheu ficar jogando ao invés de socorrer a filha doente. Bibiana foi uma boa mãe e uma boa avó, mas praticamente sacrificou o próprio filho pra recuperar o que julgava ser a sua casa. São justamente essas falhas que tornam os personagens "gente como a gente". Se o romance é pra retratar a História do Rio Grande e sua gente, bem, quem é a gente que não tropeça de vez em quando?
A relação de complementaridade entre os Terras e os Cambarás me chamou a atenção desde o início. Até o fim de "Ana Terra", os Terras viviam a observar os eventos históricos ou a ouvir falar sobre eles enquanto tomavam conta das suas lidas. Os Cambarás, por sua vez, nunca foram observadores, mas agentes ativos desses eventos. Mais do que soldados nas guerras que tanto amavam, eram capitães, sargentos, líderes, enfim. Senti que foi na pessoa do Licurgo que essas duas famílias melhor se reuniram, nesse rapaz que se tornou a cara do movimento republicano e abolicionista em Santa Fé.
Meus personagens favoritos aqui, no entanto, não foram os principais, mas os secundários, que assistiram, de longe, ao dramalhão da família Terra-Cambará. O padre Alonzo, o padre Lara e, sobretudo, o doutor Winter, observadores distantes, que não só nos dão um visão menos apaixonada do capitão Rodrigo e de Bibiana, por exemplo, mas representam também a cultura numa terra de iletrados e nos trazem um vislumbre de a quantas anda o mundo fora dos campos do Continente.
Saio dessa releitura empolgado pra ler os próximos volumes, e dessa vez tô determinado a ler essa trilogia completa. Erico já conquistou, há muito, o seu espaço no meu hall de autores prediletos.
"Não hai seca que dure sempre. Um dia chove e quando a terra é boa ela torna a viver."