VicBanger 13/03/2021
Um poema problemático, mas de grande importância.
O Uraguai é um texto difícil. De forma alguma chega a ser uma tarefa que beira o impossível (para um alguém com experiência em textos mais rebuscados), mas a leitura do clássico poema épico escrito por Basílio da Gama chega a ser arrastada. Uma característica compreensível, já que estamos diante de uma obra escrita no século XVIII.
Apesar dos versos brancos (isto é, sem rimas) e da ausência de estrofes, temos aqui um poema feito com zelo em seu metro - com versos decassílabos. Tendo em mente isso, aviso que a leitura em voz alta pode servir de auxílio a quem se meter a ler este exemplar do Arcadismo "brasileiro". E, sim, se você for um entusiasta de nossa história literária, já deve saber que este texto apresenta elementos que pouco após foram aproveitados pelo nosso Romantismo.
Como se trata de um texto curto (se comparado a outros exemplares do alto escalão de seu gênero), a releitura torna-se uma recomendação bem certeira - o texto deve se tornar muito mais claro em um segundo contato. (Além de ser um texto com uma seleção lexical claramente datada, o poeta tomou, por exemplo, a decisão de não indicar com aspas ou travessões as falas dos personagens, misturando-as às palavras do narrador e abrindo caminho para uma confusão na leitura.)
Sim, o poema tem a sua beleza (o tom trágico que permeia a relação de Cacambo e Lindoia comove, por exemplo); por outro lado, temos a forte presença da voz do colonizador em O Uraguai...
"[...]
Fez-vos livres o céu, mas se o ser livres
Era viver errantes e dispersos,
Sem companheiros, sem amigos, sempre
Com as armas na mão em dura guerra,
Ter por justiça a força, e pelos bosques
Viver do acaso, eu julgo que inda fora
Melhor a escravidão que a liberdade.
[...]"
Ler estes versos me deu vontade de vomitar. Basílio da Gama coloca os portugueses e espanhois (que ganham voz pela "boca" do General Gomes Freire de Andrade) como heróis, os jesuítas como demônios e os indígenas como pobres ingênuos que foram enganados pelos padres. Fica perceptível que o autor quis dar um verniz de humanidade em sua observação sobre os indígenas, mas o que grita é a voz do colonizador tentando justificar os seus atos.
Problemático, porém de inegável importância, O Uraguai é um texto que deve ser lido com um olhar crítico. Todo clássico pode ser encarado enquanto obra-prima? Creio que não. Acho que seria uma estupidez considerar este um exemplo de obra-prima somente por conta do fato de que o seu autor conhecia os segredos do metro (como se a sensibilidade do poeta acabasse na própria forma do poema). Mas, sim, este é um texto que deve ser lido.