Isabelly.Godoy 17/11/2024
A dor, a morte e a ternura
"Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar de desmaiar. Não era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia. Dor era aquilo, que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder contar para ninguém o segredo." (p. 193)
"Matar não quer dizer a gente pegar o revólver de Buck Jones e fazer bum! Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu" (p. 165)
"Agora que descobrira mesmo o que era ternura, em tudo que eu gostava colava ternura" (p. 180)
Não lembro a última vez que um livro me fez chorar tanto. Acho que muitas vezes nós enquanto adultos esquecemos que um dia já fomos crianças também e que precisávamos de alguém para nós ensinar para que a gente pudesse aprender. Ainda é assim, a vida toda vai ser. Zezé tinha sede de aprender, e aprendia com seu entorno, uma realidade de violência e miséria. Sua imaginação era seu refúgio, o que torna ainda mais doloroso quando nas últimas páginas vemos o seu mundinho se apagando. Apanhava por ser um alvo fácil, porque era nele que seus pais, irmãos, vizinhos descontavam a revolta com a miséria e a injustiça. Como não ser "traquinas", como não falar palavrão? Esse era seu jeito de se vingar, como ele mesmo diz.
Ainda hoje, não é incomum que as crianças não sejam vistas como pessoas, e sim como propriedades, como projetos de gente, de modo que se pode dizer e fazer o que quiser com elas que elas "vão esquecer rapidinho". Isso não é verdade e é até irônico, já que a maioria de nós se lembra com clareza da infância e especialmente dos momentos traumáticos.
Em um país em que a violência contra a criança acontece principalmente dentro de casa, perpetuada por aqueles que deveriam ser o porto seguro desse que é o grupo mais vulnerável da nossa sociedade, essa se faz uma leitura obrigatória para a reflexão sobre esse tema. Que nenhuma criança passe pelo que Zezé passou, que nenhuma criança conheça a dor tão cedo quanto ele.