Rebeca 01/08/2023
Zé Orocó e a ternura dos incompreendidos
Rosinha, minha canoa se tornou uma das minhas obras favoritas assim quando terminei de ler. É muito bela a forma em que o autor narra e descreve a ambientação que acontece na região da Ilha do Bananal, onde ocorre maior parte do enredo, não se esquecendo de enaltecer e compartilhar um pouco da cultura local do povo Iny, sem ocultar a destruição que os homens brancos vem fazendo neste pedaço de terra. Na primeira parte percebemos a ternura tão intrínseca na escrita de José Mauro Vasconcelos, e na segunda, vemos o sofrimento tão presente em suas outras obras. O que muitos chamam de loucura, Zé Orocó chama de ternura para com a natureza em seu entorno.
Citações favoritas:
"Os homens se matam por causa de diamantes. [...] Os homens não tem explicação. São a pior coisa do mundo. Vivem inventando coisas para destruir." (p. 51)
"Urupianga é a voz da selva, o deus dos bichos. Todo os anos, na primavera, ele aparece. E como é lindo! Moreno, alto, ombros largos. Todos os animais gostam de alisar suas costas e trançar os seus cabelos negros. Quando Urupianga fala, não sai voz, sai música." (p. 54)
"O deus das árvores? É um deus vegetal e muito calmo - Chama-se Calamantã. Ele nos dá somente uma coisa de que precisamos: paciência. Paciência para vivermos calmas e esperarmos o futuro impassivelmente." (p. 54)
"Nininha passou a noite tristemente. Dessa vez as estrelas brilhavam sem outro significado senão o de brilhar. Não havia fantasia porque a estranha revelação a colocara frente à realidade. Descobrira que a beleza não existia nas coisas e sim dentro da gente. E quando ela morria as coisas se tornavam opacas, apagadas e incrivelmente comuns." (p. 63)
"Na hora em que a selva fica mais bonita, quando o Sol s encontra quase encoberto pelas árvores que margeiam o rio, e o vento se torna tão manso que parece respirar, e as águas do rio adquirem aquela doçura calma com que esperam a paz da noite..." (p. 128)
" -- Sabe como é que os índios carajás chamam o Araguaia, doutor? Aposto que não sabe. E foi explicando, num tom cheio de amizade: ? É Beé-Rokan. Quer dizer 'água grande'." (p. 143)
"Há ocasiões na vida da gente que a gente só pensa em afundar. Sumir, ir para onde a gente possa pensar que está mais morto do que vivo." (p. 149)
"Urupianga coçava o seu bonito queixo de deus. Não ignorava que os brancos enganavam os índios e que nada que podia fazer, porque na escala da vida índio não era bicho e ainda não adquirira a maldade dos homens. Sabia eles se metiam meses e meses nas grandes caçadas e nas grandes pescarias. Faziam aquilo para diminuir a pobreza de suas vidas nas pequenas aldeias. E de nada adiantava aquele es- forço. Na volta dos mariscos, na hora de prestar as contas, os homens brancos davam-lhes bebidas e pagavam-lhes uma miséria em dinheiro, acompanhada de uns insignificantes metros de fazenda... e era tudo." (p. 184)
"- Isso é o Brasil, meus filhos. Um dia acabarão com todas as árvores de reserva, um dia acabarão com todos os bichos e todos os pássaros. Urupianga nada pode fazer contra os homens, porque o Deus deles é um deus superior a mim. E que devemos fazer, Urupianga? - Fugir. Só isso. Evitar corresponder a qualquer chamado sem primeiro se certificar de que não é um apelo verdadeiro." (p. 185)
"Louco, você? Só porque consegue entender as árvores ou falar com as coisas? Bobagens! Loucos são os outros homens, que perderam a poesia de Deus, que endureceram o coração e nem sequer podem entender os próprios homens. Esses são loucos." (p. 248)