Stefanie Oliveira 23/04/2014
Como é difícil falar de Dostoiévski.
Sinceramente? Não por conta do autor em si, mas sim por causa de um bando de chatos que se acham cultos por pensar que se você está falando sobre o escritor em questão, automaticamente você tem de falar bem. Automaticamente você precisa fechar os olhos para o que te desagrada e aceitar tudo como se estivesse perante uma perfeita genialidade. Será?
Não pra mim.
“Você tem cacife pra falar de Dostoiévski?” já cansei de ouvir. Quem sou eu? Uma garota de 22 anos de idade que já leu incontáveis títulos ao ponto de gostar de analisá-los, criticá-los. Sou uma leitora. Mas, aos olhos de alguns, alguém que ainda não pode abrir a boca para falar de Dostoiévski se não for falar somente bem. Sinceramente? O mundo vai ser bem melhor quando pessoas pararem de se ser totalmente cegas por determinado autor. Não é porque fulano escreveu um livro bom que todos os outros automaticamente são indiscutivelmente bons também.
Mas voltemos à resenha e continuo com o assunto mais adiante.
Em “O Duplo” nos é apresentado Golyádkin, um funcionário público russo como outro qualquer. Isso, claro, se não fosse a maneira com que, certo dia, passasse a conviver com seu próprio duplo. Ou seja, uma espécie de segunda personalidade materializada em uma segunda pessoa que, ao menos fisicamente, é idêntica ao homem, de modo a até confundir aqueles que vivem ao seu redor.
Golyádkin primeiro é o que chamamos de um fracassado. Sim, tem emprego, um lar, mas não é algum tipo de exemplo de vida social. As pessoas a todo o tempo o desprezam, caçoam de sua condição e, como se não bastasse, ainda fazem piada de sua personalidade. Golyádkin é a chacota do meio, e mesmo assim, a todo tempo, tenta agradar as mesmas pessoas que o apedrejam. Por quê? É então que surge a parte genial de Dostoiévski.
Sinceramente, para mim, a genialidade do autor não está na literatura propriamente dita; mas, sim, na psicologia. O modo com que o escritor, em suas obras, aborda a mente humana é onde se pode encontrar sua maestria. Honestamente? Como escritor, vejo Dostoiévski sentado em uma mesa e escrevendo... Escrevendo sem parar. Até que, ao chegar à última página, vira para a pessoa que vai publicar seus livros e diz: “Pronto, acabei. Pode publicar”.
“Ah, mas isso é estilo russo de escrever, mimimi”, sim, eu sei que russos escrevem de um modo mais robusto, mas ainda é demais para mim.
Sobretudo porque, qualquer um que lê, vai notar que há certo atropelamento de palavras. Como se a afobação em escrever fosse tanta que ele mal pudesse respirar. Isso é um defeito? Jamais. Acho brilhante uma pessoa que tem uma espécie de surto literário e escreve obras magníficas... Como a exemplo do grandioso Kafka e seus livros de sentada, como é o caso de “A Metamorfose”. Mas, ainda assim, acredito que o livro seria bem melhor caso Dostoiévski, ao terminar a obra, a relesse e revisasse não o enredo... Não a história, não suas ideias. Mas sim a maneira com que ele colocou as palavras. Como formou as frases. Como desenvolveu certos pensamentos.
Vejo Dostoiévski também como um gênio. Mas lá para a área de Freud. Justamente porque seus personagens parecem terem sido totalmente pensados como exemplificações de onde a mente humana pode chegar. Justamente porque, após a leitura e certa reflexão, vejo o Senhor Golyádkin segundo como se realmente fosse aquela atitude que todos nós tomamos, ao menos uma vez na vida, quando queremos ser agráveis. Sabe quando você não diz algo que sente vontade... Quando toma certo cuidado para agir por saber que vai atingir e machucar uma terceira pessoa?
Eis o duplo.
Através dessa obra, Dostoiévski tenta mostrar a nós, leitores, até que ponto podemos ir na tentativa de sermos agráveis, aceitos. Justamente porque, com o decorrer do livro (isso não é spoiler!) a segunda personalidade do funcionário público passa a tomar conta de sua vida. Por quê? Porque está sendo vantajoso. Porque agora as pessoas gostam “dele”. De modo a fazer com que se sinta pena desse personagem que era para ser o protagonista, o qual abaixa a cabeça tão facilmente a qualquer tipo de afronta que, na minha opinião, beira à humilhação. É humilhação.
Quanto ao desfecho da obra... Sinceramente é como um tapa. O enredo todo em si é muito inteligente, mas o clímax... Ah sim, esse soa como um murro na cara da sociedade que quer tanto caminhar ao encontro do outro... Que acaba se distanciando de si mesmo. De modo a ainda mais nos deixar impressionados com como um homem em 1846 já compreendia a mente humana em seus cantos mais obscuros. Devidamente naqueles lugares mais imersos que tantos tentam ignorar. Seja por medo, por covardia, ou simplesmente por não terem certeza se conseguem encontrar o caminho de volta.
A história é boa. Os personagens são brilhantemente criados, mas a escrita do autor poderia, e muito, ser melhor. Sinceramente foi o que prejudicou o livro, aos meus olhos. Foi o que o deixou cansativo e arrastado. Principalmente com uma série de repetições de palavras desnecessárias, como o uso de “segundo” incontáveis vezes no mesmo parágrafo sendo que já sabíamos que estava sendo descrito os atos do duplo de Golyádkin e não dele mesmo. Nós já sabíamos, tio Dostoiévski! Viu? Não precisa repetir dez mil vezes no mesmo parágrafo! Nós conseguimos entender de quem o senhor estava falando!
Ah tá duvidando? Me achando louca? Então vou colocar aqui um trechinho para você de outro momento:
“ – o que foi mais ofensivo para o senhor Golyádkin –, alguns dos funcionários jovens, ainda sem qualificação funcional, rapazes que, segundo justa referência do senhor Golyádkin, só sabem jogar eventualmente cara ou coroa e bater pernas por aí – pouco a pouco cercaram o senhor Golyádkin, agruparam-se para ele com uma curiosidade um tanto ofensiva. Era um mau sinal. O senhor Golyádkin o percebia e de sua parte se dispunha a ignorar tudo. Súbito uma circunstância totalmente inesperada liquidou e, como se diz, deu cabo do senhor Golyádkin.”
Viu? Ufa!
Sem contar que, só nessa página, a expressão “Senhor Golyádkin” aparece nada menos, nada mais do que: Dez vezes! É isso mesmo.
Vai dizer que não é desnecessário?
Essa leitora então “sem cacife” para falar do autor russo finaliza a resenha. Mas não sem antes admitir que, se eu tivesse vivido na mesma época de Dostoiévski, faria alguma espécie de convite: “Hey, por que não largar a literatura e esperar alguns anos? O Freud está crescendo e jaja você vai poder trabalhar com ele na psicologia! O que acha? Porque você é muito bom!”.