Reccanello 14/03/2022Sinopse rápida: conquanto implacável na chefia de uma das Cinco Famílias comandantes do crime organizado na Nova York dos anos 1945-1955, o carismático Don Vito Corleone é um homem justo, um Padrinho benevolente que, em troca apenas do respeito e da amizade de seus afilhados, a eles nada recusa, seja conselho, dinheiro, emprego ou até mesmo a morte de algum desafeto. Ainda que todas as suas vontades se tornem realidade, a passagem do tempo é implacável e, quando seu império é atacado por inimigos e tudo o que sua família significa fica por um fio, o velho e cansado Don se vê diante da necessidade de escolher, dentre seus filhos, um sucessor à altura.
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Tal como se deu com a leitura de O Siciliano, o livro também me trouxe emoções dúbias. Por um lado, e considerado por muitos como a mais perfeita reconstituição das famílias criminosas de origem italiana de Nova York, o livro foi o primeiro romance a introduzir a realidade da Cosa Nostra (segundo alguns de seus integrantes, a palavra Máfia seria um termo criado pela literatura), tornando usuais a utilização de termos como Omertà, Consigliere e outros. Por outro lado, a banalização e a romantização do crime e da vida criminosa trazidas pela obra não podem ser aceitas: por mais "homens de família" que fossem, por mais preocupados que estivessem em prover e proteger seus entes queridos, os principais personagens da história não passavam de ladrões e assassinos, e para um objetivista e liberal (que tem os valores de liberdade, propriedade, individualidade, racionalidade, vida e não agressão como sagrados), tais "justificativas" não deveriam minimizar a completa abjeção de tudo o que feito para manutenção de sua organização criminosa. Sim, as extremas desigualdade social e marginalização sofridas pelo siciliano são um fator importante na explicação das práticas mafiosas e não devem ser desconsideradas, mas isso não retira o absurdo das mortes causadas pela irracionalidade criminosa retratada no livro.
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Ainda assim, ignorando os pudores filosóficos, o livro é uma obra fantástica que, mesmo tendo todos os elementos para ser chato e parado, consegue mostrar uma ação vertiginosa, em todos seus arcos e por todo o tempo em que se desenrola a trama. Desde a caracterização dos personagens (todos muito complexos e com histórias pregressas bem detalhadas, numa tentativa de justificar seus atuais comportamentos), até a ambientação que nos mergulha na casa e na mente dos mafiosos mesmo enquanto comem macarrão e discutem a morte de seus rivais, Mario Puzo nos trouxe uma trama inteligente, envolvente e (para o bem ou para o mal) repleta de personagens cativantes e arquetípicos. Enfim, mais que apenas um retrato e uma justificativa da criminalidade aparentemente intrínseca ao siciliano, "O Poderoso Chefão" é uma história atemporal de amor à família e busca por justiça, que merece figurar entre os grandes livros do Século XX. E, se você discordar de mim, bom, vou ter que fazer uma proposta que você não poderá recusar.
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