A Sonata a Kreutzer

A Sonata a Kreutzer Leon Tolstói




Resenhas - A Sonata a Kreutzer


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Fabio 18/01/2024

"A Sinfonia Dramática do Cotidiano"
Considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, o gênio russo Liev Tolstoi, nos entrega em "A Sonata a Kreutzer", uma das obras, mais controversas e debatidas da história da literatura mundial, que chegou a ser proibida em grande parte da Europa no início do século XX e posteriormente nos Estados Unidos, quando causou indignação na sociedade americana.

Tolstoi, sob o influxo da famosa peça homônima de Beethoven, durante uma festa na primavera de 1888, resolveu compor um texto em forma de novela para retratar os temas da composiçãob e a conduzir o leitor a uma intensa reflexão sobre a profundidade das relações dentro de um matrimonio, e de forma direta, narra o extremo sexíssimo de uma parcela da sociedade russa e acaba por descortinar ao mundo as desigualdades entre os e sexos e a infidelidade conjugal, sem implicidades.

Publicado em 1891, "A Sonata Kreutzer", Tolstoi nos conta os dramas e aflições de Pózdnichev, um homem que, em um ataque de fúria e ciúmes, cometeu um crime brutale e acaba narrando sua história e motivações a um estranho, durante uma longa viagem de trem no pais vermelho.

Narrado em primeira pessoa, em forma de "confissão", Tolstoi, nos concede um texto, sóbrio, claro e sem alegorias, e num estilo insinuante, quase dissoluto, choca e questiona sobre as convenções sociais da época e imprime ao texto de forma marcante e sincera, a conduta rígida do moralismo, que sempre fora marca registrada do autor.

Trata-se de uma obra intimista, de extrema qualidade literária e estética, em que Tolstoi de forma bem articulada, tece um pequeno tratado sobre a moral, a libertinagem e a devassidão, e ao narrar alguns dos pensamentos quase doentios do protagonista, nos apresenta a visão deturpada de um indivíduo que, perdeu a razão, e nos obriga a enxergar nele, aquilo que parece mais odioso e repulsivo em nosso cotidiano. Tolstoi, reafirma seus conceitos doutrinários em "A Sonata a Kreutzer", e, mesmo sendo contra a panfletagem por meio da arte, imprimiu ao texto, alguns pontos que são divergentes de seus "dogmas", mas que, indubitavelmente, agregaram ao espólio do mestre russo.

Em suma, "A Sonata a Kreutzer", é um livro impactante, repleto de ensinamentos, que nos repulsa e fascina ao mesmo tempo, e desperta em nós sentimentos contraditórios, quando nos identificamos ora com o algoz, ora com a vítima, mas, que, na maioria das vezes nos enxergamos mesmo, somente como interlocutores de uma conversa intima e confessionária, e nos declaramos imparciais, mas é quando, deixamos de lado, as máscaras, que as normas e convenções sociais nos obrigam, e nos colocamos no lugar do outro, é que enxergamos realmente o que há dentro de nós; tanto luz, quanto trevas, e que, somos o resultado daquilo que impera em nós.
Yanne0 18/01/2024minha estante
Thomas Mann cita essa sonata de Beethoven em "Doutor Fausto" e automaticamente me lembrei desse livro do Tolstoi, mas nunca tinha parado pra pesquisar sobre a história (eu não costumo ler sinopses). Dps da tua resenha (maravilhosa, por sinal) cm ctz vou ler ?


Wercton 18/01/2024minha estante
Excelente texto, já tinha vontade de ler esse livro e agora certamente subiu alguns degraus na lista :) (por sinal, acredito que as datas estão um século pra cima aí rsrs)


Mariana 18/01/2024minha estante
Nossa!!! ????????????. Belíssima resenha! Intensa, profunda e instigante. Adorei e já coloquei na lista infinita para lê -lo. Parabéns ????


Fabio 18/01/2024minha estante
Obrigado, Yanne!?
Lisonjeado com as palavras!?


Fabio 18/01/2024minha estante
Wercton, muito obrigado!?
Leia, sim, esse vale a pena, demais!
Obrigado por me corrigir, não sei aonde estava com a cabeça kkkkkkk
Só um século a mais kkkk


Fabio 18/01/2024minha estante
Muito obrigado, Mari, minha querida, pelo carinho!?
Fico muito feliz, que tenha gostado da resenha!?
Desculpe a prolixidade do texto! kkkkk ?


Nath 18/01/2024minha estante
Ainda não li esse, mas eu tenho essa mesma edição da 34 e uma outra intitulada Tolstói & Tolstaia, lançada pela editora Carambaia!

Vou dar preferência de leitura a edição da Carambaia, pois após o texto integral do Sonata a Kreutzer, o leitor pode conferir também na íntegra a RESPOSTA da esposa do Tolstói, a Tolstaia!, em formato de novela também.. onde ela respondeu ao próprio marido o Tolstói a visão dela do porque o Tolstói ficou tão "amargurado" com o sexo feminino a ponto de escrever essa novela.. ou seja, a Tolstaia HABLOU de igual com seu marido Tolstói! QUEEN!! ??????

E olhe que eu AMO o Tolstói, eu tenho até a biografia dele na minha estante! ?
Mas como mulher e leitora, darei prioridade a ler essa novela com o texto junto da dona Tolstaia.. tem disponível na Amazon para comprar a edição econômica dos dois textos juntos.


Fabio.Nunes 18/01/2024minha estante
Fabão, tu é um dos melhores resenhistas desse skoob, cara. Parabéns. Entrou na fila.


FSouzaPinto 18/01/2024minha estante
Depois dessa resenha, fui obrigada a colocar na lista ??


Duda.bae 18/01/2024minha estante
Sempre ouvi falar em filmes e livros, alguma coisa referente ao Tolstói, dá uma certa curiosidade de querer ler, mesmo não sendo o tipo de livro que costumo ler. Resenha perfeita, Fabio! ?????


Carolina.Gomes 18/01/2024minha estante
Eu adoro esse livro. ?


Fabio 18/01/2024minha estante
Nath, eu não conhecia essa edição da Carambaia, e você me deixou curioso, então vou procurar, porque quero conferir essa "resposta" da Tolstaia. Rsrs
Obrigado novamente pela dica.


Fabio 18/01/2024minha estante
Fabão, meu xará, muito obrigado pelo carinho!
Lisonjeado com suas palavras!


Fabio 18/01/2024minha estante
Fabão, meu xará, muito obrigado pelo carinho!
Estou lisonjeado por suas palavras, mas, quem me dera ser tão bom quanto , disse!!! Kkkk


Fabio 18/01/2024minha estante
Flavia, muito obrigado pelas palavras!
Fico feliz que tenha gostado da resenha!!!?


Fabio 18/01/2024minha estante
Dudinha, minha querida, muito obrigado pelo carinho de sempre!???
Tenho certeza de que, quando começar a ler os russos, não vai querer parar mais, Dudinha. Basta o pontapé inicial!


Fabio 18/01/2024minha estante
Carol, entrou na minha lista de favoritos!?


Nath 18/01/2024minha estante
Procure na Amazon pelo livro Tolstói & Tolstaia, da Carambaia. Vc achará facilmente a resposta da Tolstaia para o Tolstói ? ( a edição disponível no momento é a econômica, pois a edição capa dura de luxo esgotou, já que a Carambaia só trabalha com edições numeradas. Quando esgota, ela lança essa versão econômica com o mesmo texto integral.)


Mariana 18/01/2024minha estante
Fábio, é um pecado chamar um texto tão magnífico desses de prolixo! Se assim for, seja sempre prolixo, por favor! ??


Núbia Cortinhas 18/01/2024minha estante
Que aulão!! Uauuu!! Tu arrasas!! ?? ?? ??


Fabio 18/01/2024minha estante
Nath, já encontrei e já comprei, obrigado pela dica. Já estou ansioso por esse texto da Tolstaia !?


Fabio 18/01/2024minha estante
Obrigado, minha querida, Mari!?


Fabio 18/01/2024minha estante
Muito obrigado, Núbia !???


Nath 18/01/2024minha estante
????


AndrAa58 19/01/2024minha estante
Depois da sua resenha ???, entrou na fila ?


Fabio 19/01/2024minha estante
Muito obrigado, Andréa, querida!?


Camila Felicio 19/01/2024minha estante
Excelente resenha Fábio!! ?


Fabio 19/01/2024minha estante
Obrigado, Camila!???


Gabriela_Sut 20/01/2024minha estante
Caramba, fiquei até com vontade de ler kkkk Ótima resenha, Fabio


Fabio 20/01/2024minha estante
Muito obrigado Gaby!?
Esse livro vale muito a pena, principalmente, para visualizar a filosofia Tolstoista e como, influenciaram a literatura.


Débora 21/01/2024minha estante
Resenha incrível, Fábio!!!???


Fabio 21/01/2024minha estante
Muito obrigado, Débora!?


-Rachel 22/01/2024minha estante
Fabio, como sempre uma escrita excelente! Admiro demais a forma com que você desenvolve suas resenhas. ???


Fabio 22/01/2024minha estante
Rachel, muito obrigado, minha querida, pelo carinho!
Extremamente lisonjeado com suas!????




Caroline Gurgel 14/04/2014

Para Tolstói, a música perverte.
Não foi o fato desse livro ser considerado uma das melhores obras de Tolstói que despertou meu interesse, foi o título. Como fã de música clássica e em especial da de Beethoven, eu não resisti ao ver sua linda sonata para violino e piano nº9 op.47, A Sonata a Kreutzer, estampada na capa de um livro escrito por ninguém menos que Tolstói.

Sabendo que, obviamente, se tratava de um livro de domínio público, procurei sua versão digital gratuita e comecei a leitura. Não foi minha primeira tentativa em livros de domínio público, foi, talvez, a décima. E a última! Cheguei a conclusão de que não adianta insistir nelas, ou você paga por uma boa tradução (ou tem a sorte de, vivendo no Brasil, morar em uma cidade que tenha uma biblioteca decente) ou é melhor deixá-las de lado. São péssimas traduções! Ainda li uns 30% e me perguntava se aquelas frases desconexas eram propositais. Não eram. Criei vergonha na cara e comprei a edição da editora 34 que, diga-se de passagem, tem feito um trabalho majestoso na tradução diretamente dos originais russos.

Voilà Retomei a leitura do início e, wow!, nem parecia a mesma história que eu iniciara antes. Incrível! A escrita é fantástica e leva o leitor a entrar nos devaneios e alucinações do personagem principal, que, por menos provável que seja, não é o narrador.

Trata-se de um diálogo - praticamente um monólogo - entre o narrador e um homem que assassinara sua esposa por achar que ela o traíra com um pianista. Eles se encontram em um trem e o tal assassino começa a contar o que o levou a cometer tal crime enquanto devaneia sobre casamento, amor, sexo e o papel da mulher na sociedade. São visões super pessimistas e controversas que fazem com que o leitor crie uma repulsa em relação ao personagem - ou ao autor, já que a linha que os separa é bem tênue e, dizem, Tolstói estava bastante deprimido quando escreveu essa história.

"...supõe-se em teoria que o amor é algo ideal, elevado, mas na prática o amor é ignóbil, porco, sendo repugnante e vergonhoso falar e lembrar-se dele. [...] as pessoas fingem que o repugnante e vergonhoso é belo e sublime."

Tolstói fala que a mulher é sempre vista como um objeto de prazer e para que assim não o seja ela deve manter-se casta por toda a vida.

"Veja toda a poesia, toda a pintura, toda a escultura, a começar pelos versos de amor e pelas Vênus e Frineias despidas, o senhor vê que a mulher é um instrumento de prazer; ela é assim nas ruas de Trubá e de Gratchovka, e também no baile da corte. E observe a artimanha do demônio: ora, um prazer, um deleite, podia-se bem admitir isso, dizer que a mulher é um bocado doce. Não, a princípio, os cavaleiros afirmavam venerar a mulher (veneravam, mas assim mesmo olhavam-na como um instrumento de prazer). E agora asseguram que respeitam a mulher. Uns cedem-lhe o lugar, levantam-lhe um lenço; outros reconhecem o seu direito de ocupar todos os cargos, de participar no governo, etc. Fazem tudo isso, mas o modo de encará-la é sempre o mesmo. Ela é um instrumento de prazer. O seu corpo é um instrumento de prazer. E ela sabe disso."

Alfineta a relação entre mãe e filho, a medicina e os médicos, o feminismo e o cavalheirismo, religião e casamento. Dá, inclusive, a entender que a música perverte o ser humano. Por fim, já nas horas que antecedem o assassinato, seu diálogo rodeia o ciúme e a dúvida. Um ciúme doentio que cega e tem consequências graves. E a dúvida que o persegue, ela o trai ou não? Por mais que a pessoa não queira verdadeiramente uma resposta, ela quer saber a verdade, como se, no fundo, tivesse alguma esperança de suas desconfianças serem infundadas.

"Até lembro confusamente, que tendo cravado o punhal, no mesmo instante o retirei, querendo corrigir, deter, o que já fora realizado. Por um instante, fiquei imóvel, esperando o que ia acontecer, procurando ver se era possível corrigir aquilo."

E mostra-nos arrependimento, mesmo que passageiro, mostra-nos a inconseqüência dos atos impensados e imaturos, de agir com a cabeça quente, sem pensar.

É possível que você seja contra tudo o que é citado em um livro e ainda assim o achar fenomenal? Foi bem o que me aconteceu nesse livro. A história é narrada com maestria, prende e instiga, e por mais que irrite, não há como não gostar.

Devo apenas mencionar minha decepção em relação a sonata que tanto amo e que, a meu ver, não teve esse destaque todo. Digo a meu ver pelo que li da estória em si, sem contar com o posfácio, que explica melhor a influência que tal música teve nessa história.

★ ★ ★ ★ ★
❤ ❤ ❤ ♡ ♡

**

Despeço-me deixando o link da sonata no youtube interpretada pela majestosa violinista alemã Anne-Sophie Mutter e pelo grande pianista Lambert Orkis. Na história de Tolstói a esposa assassinada é a violinista e o suposto traidor, o pianista. A música, o motivo da traição.

http://youtu.be/COGcCBJAC6I
DIRCE18 10/05/2014minha estante
Caroline, você está se tornando uma exímia resenhista.
Parabéns!
bjs


Caroline Gurgel 12/05/2014minha estante
Dirce, você não sabe como fico feliz em ouvir isso vindo de você!
Obrigada! bjs
;)


Ewerton 02/09/2015minha estante
Excelente resenha Caroline. Parabéns!


Douglas 14/09/2020minha estante
Sensacional sua resenha, Caroline. Muito obrigado. Acho muito importante investir em livros, valorizando boas traduções. Se todos pensarem assim, podemos melhorar um pouco o nosso país, como um todo.


Adriel 05/03/2023minha estante
Muito boa a resenha. E sim as traduções são complicadas, principalmente nos russos, por isso pesquiso bem antes, e vai muito da editora, pq tem umas aí que não valem nada


Belle 15/06/2023minha estante
Excelente resenha. Sua descrição, me fez colocar essa obra, na minha lista de 2023. Obrigada.


Adriel 03/01/2024minha estante
Retornei aqui, agora, após reler essa obra. Provavelmente sabes, mas há outro livro do Tolstói que julgo ser outra face desse livro. Trata-se do livro "felicidade conjugal", cujas inspirações estão na Sonata para piano n.º 14, Op. 27 n.º 2 do Beethoven (quasi una fantasía). E, sobre a sonata "não ter tido destaque", na verdade, ela foi utilizada na construção do texto, inspirada nos períodos musicais. Sobre traduções, Rubens Figueiredo e Boris Schneidermann são os melhores tradutores dos clássicos russos.




Marcele 04/07/2020

Ciúmes
Adoro livros que iniciam pelo que vai acontecer no final como como ?crônicas de uma morte anunciada? do Gabriel Garcia Marques! A sonata te joga no meio do sentimento do protagonista que te deixa até com a mão suada de ansiedade e você que saber como ele chegou ao seu extremo. Aliás, de todos autores que já li, sempre me pego surpreendida pela forma como os russos conseguem descrever os sentimentos.
Douglas 14/09/2020minha estante
Parece ser ótimo, Marcele


Marcele 14/09/2020minha estante
Confesso que gostei mto!!!


Adriano.Couto 13/11/2020minha estante
Que otima resenha!


Marcele 14/11/2020minha estante
E vc gostou?




Zé - #lerateondepuder 25/02/2020

A Sonata à Kreutzer
A escolha do livro A Sonata à Kreutzer foi exatamente com o intuito de iniciar as leituras das obras de Tolstói. Liev Nikoláievich Tolstói, também conhecido como Leon, Leo ou Liev Tolstói, foi um dos maiores escritores de todos os tempos. Um russo da era dourada de literatura daquela singular nação, Liev Tolstói foi, na verdade, um autor um tanto quanto controverso, por vezes tomado por, até mesmo, pervertido. Nascido na aristocracia, serviu ao exército, combateu na Guerra da Criméia, para depois escrever e ser reconhecido, trazendo-nos clássicos como Guerra e Paz, A Morte de Ivan Ilitch e Anna Karenina.
Este clássico foi escrito em 1889, quando Tolstói já caminhava para a fase de sua espiritualidade aguda, sendo Sonata à Kreutzer uma forte narrativa sobre o casamento e a questão da traição, onde o autor expressa uma visão muito negativa sobre as relações formais da época, com uma alta dose, por que não dizer, de misoginia para com a figura feminina.
São poucos os personagens mais marcantes, concentrando-se na figura de um narrador, com o protagonista
Pozdnychev, o que se transforma em boa parte do livro em quase um monólogo do personagem principal, descrevendo como acontecera a infelicidade do seu casamento, as críticas a sua esposa e a pretensa traição desta com um músico conhecido por Troukhachevsky.
Começa a trama com o narrador em um trem, ouvindo a conversa de uma senhora, com um advogado e outro senhor, cujo tema principal é o casamento, o divórcio e até mesmo sobre questões de traição. Este senhor diz que o dever de uma mulher é temer o homem. A senhora rebate, afirmando que só o amor legítimo pode consagrar o casamento. O senhor continua sua crítica, dizendo que homens e mulheres pretendem passar por monógamos, mas são, na verdade, polígamos. Então, o senhor é reconhecido como Pozdnychev, aquele que matara sua própria esposa.
Ficam sozinhos então o narrador e Pozdnychev, que começou a contar sua história. Filho de uma boa família, onde notoriamente os pais seguiam uma boa e reta moral e se amavam. Mas ele acabou seguindo uma vida leviana e devassa, perdido entre amigos, bebidas e mulheres que ofereciam gozo por dinheiro. Na história que conta ao narrador, compara estar tão perdido como um bêbado ou um fumador de ópio, passando assim por dez anos. Descreve como as mulheres, de uma forma geral, se comportam com o objetivo íntimo único de atrair os homens, quer seja solteira, casada ou de qualquer classe. E foi isso que lhe aconteceu, ao procurar sua pretendente.
Diz o protagonista que as mulheres quando fazem 15 anos ficam prontas para casarem como se fossem uma mercadoria. Não têm o direito a escolher seu parceiro, sujeitando a ser escolhida, mas se vingam pela sedução e
armadilhas, tornando-se uma rainha poderosa. Desta forma, o homem e a mulher pretendem passar por monógamos
quando realmente são poliandros ou polígamos. Quando, passados dois meses de casados, desejam separar-se, e o
casamento os impede de tal, então começa a vida infernal que conduz à embriaguez, à ferocidade, ao assassinato, ao envenenamento e ao suicídio. E a viagem de núpcias, a solidão a que se condenam os recém-casados não são mais do que um estímulo ao deboche.
Muitos dos camaradas de Pozdnychev eram casados e não tinham abandonado as suas ideias de poligamia. Pelo contrário, ele jurara viver sempre como monógamo. Mas a mulher para o protagonista é um manancial de gozos, e se ela se compenetrasse desta triste verdade, passaria a ser um monstro, porque com o auxílio do médico inutilizar-se-ia para a maternidade. Quanto aos seus afazeres, as mulheres sem concentram futilmente em vestidos, enfeites, tratar da sua beleza, estudar música, dança, ler romances, ir ao teatro. Fora destas, não tem outras ocupações: não trabalha e alimenta-se bem.
O ciúme, o ciúme sem motivo, foi uma das grandes calamidades de sua vida conjugal. Para ele foi uma constante tortura e continua criticando as mulheres que, em geral, são teimosas, perversas, egoístas, tagarelas, e as raparigas até à idade de vinte anos são tudo quanto há de mais puro e de mais nobre.
Decorridos os primeiros quatro anos depois do seu casamento, estavam completamente divorciados. Perante os estranhos conversam sobre tudo, abordando as coisas mais íntimas, mas a sós, nunca. Pozdnychev fumava extraordinariamente e o excesso do ópio, com um ou outro cálice de bebida, o mergulhava numa espécie de embriaguez que não o deixava ver o horror da minha situação.
Foram, então, habitar a cidade. Há mil coisas que lá os distraem: os negócios, as visitas, as doenças, a arte, a saúde das crianças e a sua educação e a esposa acabou adoecendo. Desde que deixou de ter filhos, ela engordou e com sua doença, o cuidado na saúde dos filhos desapareceu. Parecia ter despertado de um letargo. Um belo dia, os médicos têm a bondade de lhe dizerem que podia muito bem evitar os filhos. Invadiu-a uma grande alegria. O piano, que voltara ao esquecimento, passou a ser a sua predileta ocupação. Foi a origem da catástrofe.
Foi um homem com o seu violino que deu origem à catástrofe. Uma crise terrível aproximou-se, segundo Pozdnychev, que pensou no suicídio e em cometer um crime. Queria se conter, mas não pôde, invadindo nele uma verdadeira cólera. Troukhachevsky os procura assim que chegaram a Moscovo. O pressentimento era de que esse homem seria o causador de uma grande fatalidade. No dia seguinte, confessa o marido de que tinha ciúmes de
Troukhatchevsky, mas sua esposa não se perturbou e desatou a rir, como se eu lhe dissesse o maior dos absurdos, e que se ele desejasse, não o tornarei a ver.
Pozdnychev viaja e deixa sua esposa sozinha com os filhos, na esperança de que ela não mais veria o músico. Só que na volta, começa a ter delírios e fantasiar em sua cabeça que sua esposa o estava realmente traindo. Ao chegar em casa, constata que ela estava apenas jantando, mas vai até seu escritório, pega um punhal e o enterra em suas costelas, vendo sua esposa falecer demoradamente. É preso por apenas onze meses e termina se arrependendo do seu vil ato.
A obra foi escrita em um contexto de pré-revolução russa, em uma sociedade de muitas regras e costumes. Uma de suas interpretações é a de como os homens podem ser levados à verdadeira insanidade pelo ciúme, mas faz uma abordagem muito preconceituosa para comas mulheres. Deixa uma visão bem particular e um tanto quanto torpe do autor quanto aos relacionamentos, mas é de leitura fácil e rápida. É interessante conhecer mais a vida e outras obras de Tolstói para tentar compreendê-la um pouco melhor.
A edição lida foi de 2013 da Centaur Editions, traduzida por Maria Benedita Pinho, uma edição no formato EPub, lida no leitor Lev, podendo ser baixada no LeLivros, em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-a-sonata-a-kreutzer-leon- tolstoi-em-pdf-mobi-ou-ler-online/, acesso em 23 fev. 2020. Há, pelo menos, outras quatro edições e o nome é uma homenagem e comparação com a obra de Beethoven, uma sonata que vai elevando os acordes à medida que vai se desenvolvendo, como o trama que vai elevando a loucura de um homem pretensamente traído, até o assassinato e morte de sua esposa.
Paz e Bem!


site: https://lerateondepuder.blogspot.com/2020/02/a-sonata-kreutzer.html
Cleuzita 29/02/2020minha estante
Poxa, bem que você poderia ter marcado que continha spoilers ?snirf
Você deu zero estrelas? Não gostou?


Zé - #lerateondepuder 29/02/2020minha estante
Obrigado pelas dicas. Vou segui-las nas próximas.


Cleuzita 29/02/2020minha estante
Oi Zé, hoo fico contente de você não ter se chateado comigo, obrigada. Sigo aqui gostando de acompanhar suas leituras. Tudo de bom aí, pra você.


Zé - #lerateondepuder 17/05/2020minha estante
Eu que agradeço, Cleuzita.




Bárbara Blanc 22/09/2019

Senti o impacto
Tive que ler aos poucos porque logo no começo do livro foi muito complicado conseguir encarar as afirmações absurdas, as crenças e as verdades absolutas que pertenciam ao personagem principal, um homem completamente vitimista que, como um intruso, começa a nos contar como ele matou sua mulher.
No final do livro quando a narrativa muda e começa a mostrar a loucura, a falta de lucidez e o quão repulsivo o personagem principal é, quando o "tom" do livro começa a se elevar e as palavras tomam forma e crescem como os sons do violino na peça de Beethoven que dá nome ao livro, nesse momento Tolstói escreveu sons e isso é muito bonito e precioso.
Esse livro é completamente trágico, mas absolutamente interessante.
Lucas Tadeu 22/09/2019minha estante
Nois sentiu o impacto né Nicole


Bárbara Blanc 22/09/2019minha estante
Kkkkkkkk


Zé - #lerateondepuder 29/01/2020minha estante
Gostei muito de suas proposições. Espero gostar dessa leitura.


Bárbara Blanc 08/02/2020minha estante
Muito obrigada Zé, também espero que goste :)




André Sekkel 17/07/2009

A Sonata a Kreutzer

O talento de Tolstói é indiscutível, porém seu apego à moral cristã ortodoxa pode ser questionada. O escritor russo procura construir sempre personagens contraditórias, como a famosa Anna Kariênina, mas acaba sempre por ceder à moral de sua religião ortodoxa. Neste livro, A Sonata a Kreutzer, não é diferente. O assunto também não é dos mais originais: o casamento e os sentimentos de amor, ódio e ciúme vivenciados pelos conjujes.
Dando voz a Pózdnichev, Tolstói acaba se confessando perante ao público. Talvez, no século XIX, dizer as coisas como esse personagem pode ser algo novo, até revolucionário, por descortinar uma situação por todos escondida - a submissão da mulher num mundo dominado pelos homens. A questão é pertinente até hoje: os salários inferiores no mercado de trabalho, as menores oportunidades, a repressão social ainda existente etc. E é justamente isso que aparece no início do livro, o descortinamento dessa situação desprivilegiada da mulher. Pózdnichev traduz o pensamento feminino com relação aos homens da seguinte forma: "'Ah, vocês querem que nós sejamos apenas objeto de sensualidade, está bem, nós, justamente na qualidade de objeto de sensualidade, havemos de escravizar vocês' - dizem as mulheres" (p.34). E essa escravidão se resume ao mundo no qual vivemos: produz-se, mas só para as mulheres. Roupas, sapatos, jóias, música, literatura, teatro, tudo isso é feito pelos homens para as mulheres. Jogadas ao mais baixo nível social, o de simples objeto sexual, as mulheres usam o que elas têm, ou seja, o corpo, a sexualidade e a sensualidade, para escravizar os homens dessa meneira.
Portanto, se o mundo tem essas futilidades, a culpa é da mulher. "Veja o que freia em toda parte o movimento da humanidade para frente. As mulheres" (p.48). Eis o pensamento de Tolstói, traduzido por Pózdnichev. Mas por que isso? Ora, quem é culpado da queda do Paraíso? É a mulher, Eva que comeu o fruto proibido. Hoje isso pode parecer um absurdo, mas era pensamento corrente, como podemos constatar a partir dos escritos de um dos maiores escritos russos, numa sociedade como a da Rússia no século XIX. Por outro lado, Tolstói coloca em cena também uma hipocrisia: os homens, desde cedo, eram incentivados a tratar e ver a mulher simplesmente como um objeto sexual. A educação dos homens da alta sociedade russa acontecia nos bordéis, com as prostitutas. Pózdnichev até se pergunta: "Por que se proíbe o jogo de azar e não se proíbem as mulheres em trajes de prostituta, que despertam a sensualidade? Elas são mil vezes mais perigosas!" (p.36). Ainda assim, o perigo está nas mulheres.
Depois dessa reflexão sobre o espço dos dois sexos na sociedade e da explicitação da mulher como o grande mal, Pózdnichev, que está sentado num vagão de trem acompanhado de um desconhecido, seu interlocutor, começa a contar a sua história. O início é justamente os ensinamentos nos bordéis, que fazem os homens a verem as mulheres sempre desse mesmo jeito, mesmo quando disfarçadas de esposas. Para ele não existe o amor. Aliás, existe somente o amor carnal, mas este não é monogâmico. Um homem não é capaz de olhar para uma bela mulher sem a desejá-la, e isso já é um adultério segundo os versos de Matheus: "Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Matheus 5, 28)" (epígrafe do livro). Não é por acaso que esta é a epígrafe de A Sonata a Kreutzer. Em resumo: É impossível viver num casamento honesto, pelo menos para aqueles que não seguem as regras de deus. Para os que seguem e vêm no casamento um mistério da religião do qual precisam fazer parte, não há problemas de traíção, adultério etc. Mas no século XIX a religião não tem mais o mesmo peso que tinha no século XVI, a crítica iluminista já havia sido feita, o Estado já se secularizara e os modos de prevenção contra a gravidez já existiam. Uma mulher, esse ser inferior, libidinoso, sensual, não precisava mais ficar encarcerada em seu papel da mulher cristã, que cuida dos filhos. Não, no século XIX ter filhos já era encarado como um fardo, um sofrimento que podia ser evitado. Disso surge o ciúme do marido. E Pózdnichev não foi diferente. Teve cinco filhos com sua mulher, com quem não tinha assuntos para conversar, mas depois ela ficou fraca e foi aconselhada pelos médicos a usar um método de prevenção. A partir disso é que o ciúme do marido se apodera por completo dele. A mulher, ser insaciável, pode traí-lo com qualquer um que frequente sua casa. Esse sentimento o tortura. Como acabar com isso? A resolução é o desfecho do livro.
História de uma tragédia familiar, em parte ultrapassada, mas em parte ainda presente nos nossos dias. Talvez o melhor exemplo que podemos tirar de Tolstói, nesse livro, seja a coragem de desmascarar a situação da sociedade com relação às relações pessoais entre homens e mulheres, maridos e esposas, namorados e namoradas.
Lima Neto 07/03/2011minha estante
belíssima resenha não só do livro em si, mas também de Tolstoi.


Thiago 08/01/2013minha estante
Excelente resenha!




arlete.augusto.1 14/07/2020

Delirante
Difícil concordar com a visão cínica do protagonista em relação ao amor, à paixão e às relações conjugais, mas a prosa impecável de Tolstoi está presente em cada linha desta novela, em ritmo delirante, que narra, durante uma viagem de trem, a história do protagonista e sua esposa, uma relação tóxica em que antevemos o desfecho trágico.
Douglas 14/09/2020minha estante
Estou ansioso pra ler esse livro, Arlete


arlete.augusto.1 22/09/2020minha estante
Vale a pena!




Jpg 27/07/2011

Não saber amar

Mais do que um caso de adultério. Mais do que uma visão feminista sobre o relacionamento entre homem e mulher. Mais do que um discurso de ódio contra o amor. Mais do que uma crítica ao comportamento de uma sociedade. Todos esses assuntos estão em pauta no livro, e são tratados de forma direta, objetiva. Mas o comportamento carregado de ódio e repulsão de Pózdnichev intriga qualquer leitor, do seu primeiro travessão ao ultimo ponto final - quando não vai além. E esse além é quando se pergunta se o livro realmente terminou nesse ponto final; se o que Tolstói - incrivelmente, o mesmo que escreveu "A Felicidade Conjugal" com tanta sensibilidade - se foi só isso mesmo o que ele quis dizer. Eu sei que não, esse não é mais um livro contra o casamento, contra o amor idealizado, contra mulheres que sofrem violência em relacionamentos. Esse livro é um lamento, um desabafo sobre uma deficiência fatal: a de não saber amar.
BIU VII 04/02/2012minha estante
Mas acima de tudo Tolstói escreveu a verdade. Quando não se sabe amar impera a hipocriscia e isto Tolstói escreveu com maestria. Bela resenha.


Priscilla 04/02/2019minha estante
Também vejo que é um desabafo sobre a deficiência fatal de não saber se expressar num relacionamento amoroso, não conseguir expressar desejos, frustrações, vontades, medos, sonhos, e com isso criar uma ligação afetiva entre o casal.




Carolina.Gomes 11/03/2021

Esse curto romance traz à baila questões sobre o amor romântico e a deterioração das relações. Há forte crítica ao modelo do casamento e ao papel da mulher na sociedade com um cunho moralista tal qual em Anna K.

Particularmente, eu sou fã da estética narrativa de Tolstói e vi muitos pontos de semelhança entre o personagem principal desse livro e Bentinho de Machado e Otelo de WS.

O romance segue o ritmo da sonata de Beethoven: o monólogo alucinado de Pózdnichev tem uns loopings de tirar o fôlego. Trata-se de uma mente extremamente perturbada que conduz o personagem a um ato tresloucado.

Durante a leitura, eu lembrei muito da célebre frase de Otelo: ?Oh! Cuidado com o ciúme, meu senhor! Ele é um monstro de olhos verdes, que produz o alimento do qual se nutre.?

Recomendadíssimo!
Bruna 11/03/2021minha estante
Ansiosa ??


Carolina.Gomes 12/03/2021minha estante
Gostei muito!




natália rocha 25/10/2021

nas primeiras páginas do livro já pude considerar que tolstói tinha ideias polêmicas sobre o amor e o matrimônio, assim como sobre as diferenças nas relações de homens e mulheres. não sabia que o ciúmes tomaria conta do enredo, ainda mais de uma forma tão intensa e monstruosa.

o enredo do livro se passa dentro de uma conversa entre dois homens em uma viagem de trem. gosto bastante de livros assim, uma história dentro da história.

a música também é algo bem importante. no posfácio do tradutor conheci um lado de tolstói muito sensível para a música, sendo algo que, mesmo que prazeroso, o perturbava imensamente.

a escolha de ''a sonata a kreutzer'' de beethoven como título da obra faz bastante sentido. há um trecho que tolstói diz que a música excita a alma, que não deveria ser permitido que essa sonata fosse tocada casualmente em uma sala de visitas. o autor vê um caráter libidinoso na música, que seria capaz de provocar ''a mais perigosa proximidade entre um homem e uma mulher''. e quem resolveu tocar essa música em uma sala de visitas? os alvos do ciúmes do nosso protagonista.

não foi minha novela favorita do autor - ''felicidade conjugal'' segue na frente -, mas foi uma leitura que me permitiu conhecer um lado obscuro de tolstói.

vou encerrar com uma frase do posfácio de boris schnaiderman: ''a literatura nos obriga às vezes a conviver com aquilo que nos parece mais odioso em nosso cotidiano''.
Diego Rodrigues 25/10/2021minha estante
Preciso ler! Tem duas coisas que adoro aí: a música e o enquadramento de uma história dentro da outra ?


natália rocha 26/10/2021minha estante
então grandes chances de curtir o livro ?




Lucas 06/04/2019

A perturbação de um indivíduo obsessivo e contraditório: Quando Tolstói foi menos "Tolstói" e mais "Dostoiévski"
Liev Tolstói (1828-1910) possui em suas obras muitos "apegos" com dogmas centrais da realidade humana. A morte, o passamento, o casamento, a vivência familiar, as degradações morais que o tempo pode causar são temas muito presentes, em maior ou menor grau, em obras como Felicidade Conjugal (1859), Guerra e Paz (1869), Anna Kariênina (1877), A Morte de Ivan Ilitch (1887), entre outros.

A Sonata a Kreutzer, de 1891, é um dos vários trabalhos do autor russo que entraram para a história literária pela sua profundidade oral, não meramente pela sua abrangência em termos cronológicos ou pela variedade de escopos sociais na qual se debruçavam. A premissa da obra aqui resenhada é, inclusive, bastante simples: é uma conversa entre dois cidadãos em uma viagem de trem, toda ela narrada em primeira pessoa.

Pózdnichev é o protagonista: a obra é quase que um monólogo, na qual ele vai contando a sua história e seus pontos de vista bem controversos sobre casamento e o papel da mulher na sociedade a um narrador que pouco participa da história (este é, inclusive, um arranjo narrativo peculiar, porque esse narrador não exerce nenhuma influência sob o protagonista, incumbindo-se apenas de relatar ao leitor o que está ouvindo). A narrativa do desprezível Pózdnichev é o ponto definidor das inúmeras censuras que a obra sofreu quando da sua publicação na Rússia.

A ignomínia trazida por A Sonata a Kreutzer nasce de uma total falta de "decoro" para com os padrões morais da época. Para quem já conhece Tolstói de outros trabalhos, a história é tão crua e chocante em alguns momentos que tornam difícil que o leitor não se pergunte a si mesmo se o autor dessa novela é o mesmo que deu ao mundo as maravilhosas e inesquecíveis linhas de Guerra e Paz. O mais assombroso, no entanto, é que as opiniões assustadoras de Pózdnichev nascem de uma lógica que não parece ofensiva num primeiro momento, mas que serve de base para uma monstruosidade poucas vezes vistas na literatura.

O protagonista se define como um libertino e alguém que não acredita no amor ou pelo menos na concepção mais "real" ou romântica dele. De fato, ao se sentir culpado por ter se tornado um devasso, concebe inicialmente ao seu relato uma carga de inocência compreensível. Pózdnichev fala abertamente sobre experiências sexuais, por exemplo, e do quão degradante ela pode ser se for realizada no momento e nas circunstâncias erradas. Cabe aqui às críticas a uma realidade cheia de rótulos, onde homens "puros" não eram vistos pelos próprios como seres normais, mas indivíduos retrógrados e infantis e que a perca da virgindade masculina deveria ser um processo normal da existência humana, sem que houvesse qualquer relevância quanto à origem ou sentimentos da mulher que "participaria" desse momento (algo não muito distinto da realidade atual em alguns meios).

Mas Tolstói, que quis realmente expor a alma de alguém perturbado, dirige a trajetória de Pózdnichev aos mais nefastos recônditos que uma mente humana pode abrigar. Partindo dessa questão íntima, o protagonista menciona o papel da mulher nesse meio e aí é que surgem as controvérsias d'A Sonata a Kreutzer, que, se não a tornam censurada nos dias atuais, a conceituam como um relato de um machista irremediável e asqueroso. Para Pózdnichev, a mulher é um elemento meramente "ilustrativo" dentro do quadro social, mas que, mesmo não tendo relevância dentro da sociedade (afinal de contas, direitos femininos como o voto ainda eram impensáveis no fim do século XIX), ela exercia um domínio amplo sob os homens. Além disso, há uma condenação veemente à infidelidade, tanto masculina quanto feminina e uma curiosa teoria a respeito do propósito do ato sexual. Não se contentando a atingir as mulheres da época, o protagonista dirige seus ideais nada indiretos a questão do casamento e mais a frente, à presença dos filhos, apresentando sobre eles uma visão bem particular e repugnante, mas que parte de um fluxo de pensamento que possui certa razão prática. Tudo isso culmina a um acontecimento bárbaro, que acaba por definir a situação perturbada de Pózdnichev naquele momento.

Diante desse relato, é natural que surjam questionamentos a respeito da validade real da leitura d'A Sonata a Kreutzer. Mas como tudo que cerca gênios como Liev Tolstói, o prazer da leitura muitas vezes não está relacionado com a narrativa em si, com a trajetória dos personagens e a presença de um final feliz e pomposo; está, primeiramente, relacionado a teorias próprias, que, se não possuem uma validade eterna, partem de lógicas palpáveis em qualquer tempo e qualquer parte. Esta construção é que torna obras como estas recomendáveis, porque, de uma forma ou de outra, são uma ponte que conduz o leitor a um estado de frequente reflexão durante a leitura.

Aqui, tem-se um Tolstói que se distancia um pouco da beleza e da pompa que definem seus escritos mais famosos, um reflexo do período pós Anna Kariênina (1877), onde o autor passou por uma profunda crise existencial e, especificamente em A Sonata a Kreutzer, o aproximam de seu compatriota Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Aliás, a trajetória de Pózdnichev se assemelha muito ao relato do narrador inominado de Memórias do Subsolo, livro que Dostoiévski lançou em 1864 e que também traz um personagem asqueroso com teorias sombrias que possuem certa validade quando são apresentadas num primeiro momento.

A única marca dessa sublimidade característica da primeira fase da carreira de Tolstói pode ser encontrada no nome da obra. Sonata a Kreutzer é uma sonata para violino e piano criada pelo alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827) e que acabou estabelecendo uma relação com o monólogo de Pózdnichev. Ao misturar duas coisas tão distintas (a beleza sonora produzida pela música clássica e a torpeza de um indivíduo repugnante), Tolstói traz um livro contraditório, que parte da lógica para as polêmicas num piscar de olhos, fornecendo uma obra ampla sem ser longa que somente os gênios literários são capazes de construir.
Peregrina 06/04/2019minha estante
Uau! Que resenha, Lucas!


Lucas 06/04/2019minha estante
Obrigado Enza. :)




spoiler visualizar
Michela Wakami 04/10/2024minha estante
Deixando registrado: Fiz essa leitura com a Cris.




Catarine 03/01/2023

uma obra que simplesmente não existiria se o protagonista fizesse algumas sessões de terapia.
deixando a maluquice de lado, adorei minha primeira experiência com Tolstói.
Raissa.Guerreiro 24/01/2023minha estante
Kkkkk realmente




Cris SP 03/10/2024

03.10.2024
Sem comentar muito para não dar spoiler, só dizer que personagem doido e ciumento é esse! Será que a traição aconteceu ou é coisa da cabeça dele? ?
Michela Wakami 04/10/2024minha estante
Amiga, acho que são as duas coisas. ???




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