Mariana - @escreve.mariana 03/02/2020A moralidade e a hipocrisia no retrato da vida conjugal [IG @epifaniasliterarias_]A novela "A sonata a Kreutzer" foi meu primeiro contato com Tolstói e trouxe como tema o adultério e os conflitos que permeiam a vida conjugal. Em um ritmo quase alucinatório, o autor retrata o desequilíbrio das relações entre homens e mulheres e a hipocrisia presente nos discursos sobre o comportamento sexual em sociedade.
A narrativa tem início com uma conversa entre várias pessoas em um vagão de trem. No decorrer da viagem, um violinista ouve a conversa entre um advogado e uma senhora a respeito de divórcio, que logo atrai a atenção de outros indivíduos, que começam uma discussão sobre o assunto. Enquanto alguns apresentam um ponto de vista mais moralista e conservador, outros se mostram mais liberais, trazendo quase uma polarização ao debate. Em certo momento, um homem chamado Pózdnichev, que opina na discussão algumas vezes, relata ao violinista a história de seu casamento e de como assassinou sua esposa, por imaginar que esta o estava traindo, acrescentando o quanto se frustrou em relação ao que pensava ser o amor.
A partir desse ponto, Pózdnichev inicia uma espécie de monólogo, tendo o violinista como principal ouvinte e adotando um ritmo frenético, de quem anseia por contar sua história. Diante de um relato tendencioso e totalmente parcial, temos a visão do homem, que matou sua mulher, sobre o desenvolvimento, lento e gradual, dos motivos que o levaram a cometer tal ato, bem como suas consequências.
As opiniões do personagem sobre casamento, o papel da mulher e do homem na sociedade, bem como todas as questões relativas ao âmbito familiar são tradicionais, conservadoras, machistas e misóginas, o que para uma leitora mulher foi difícil de engolir. Apesar de em momento algum ele tentar omitir suas atitudes e pensamentos repugnantes, percebemos uma tentativa de justifica-los, seja culpabilizando a mulher ou o ideal de mulher que muitos homens da época, inclusive ele, cultuavam e desejavam se casar, esperando que "aquela seria a mulher certa", que corresponderia a todas essas expectativas.
No entanto, quando se vê em uma relação conjugal com uma mulher que não corresponde a todos os seus ideais, Pózdnichev se agarra a todas as justificativas que encontra para argumentar que fez o que era necessário. Embora seja construída uma espécie de confissão do personagem, o autor também tece diversas críticas à hipocrisia da época, tudo em uma narrativa frenética e muito bem construída. Enquanto mulher, é impossível não sentir aversão ao personagem criado por Tolstói, mas não deixo de recomendar fortemente essa obra, que abre espaço pra diversas discussões pertinentes aos dias atuais.