Natália 22/09/2012
É complicado fazer resenha de um livro que cairá no vestibular, pois em torno deles há meio aquela áurea de que, se eles não são apreciados, é porque não foram entendidos. Nós os estudamos teoricamente para percebemos as diferenças de época, de estilo, de filosofias, bem leitura obrigatória, mas sempre costumo pensar neles como entretenimento, como acontece com todos os outros livros. Se podemos ler Oscar Wilde como diversão, porque não Almeida Garret, José de Alencar, Machado de Assis?
A história é boa e conta a história de um homem que viaja por sua terra, no caso, Portugal. Conhecemos alguns lugares, como Santarém, e como ela está imersa em um fato histórico, mas não deixa isso bem evidenciado, acabamos aprendendo mais ao pesquisarmos para saber do que se trata. Na época em que foi escrito e lido pela maioria dos leitores, com certeza essa "googleada" não foi necessária.
Almeida Garret, no entanto, chega a ser pior que Machado de Assis nas digressões. Ele vagueia, vagueia e você acaba se perdendo. Ao terminar de ler, a impressão que dá é que só o que existe, basicamente, é a história da Joaninha, a moça dos rouxinóis, e principal. As outras lendas e pequenas histórias e pensamentos acabam sendo esquecidos, isso se você não tem que, depois, analisar os capítulos detalhadamente em livros-resumo, como nós vestibulandos somos obrigados a fazer.
Gostei, mas não foi o que mais gostei da lista da FUVEST desse ano. O meu favorito, contrapondo muitas opiniões, foi Til, de José de Alencar, seguido de Capitães de Areia, de Jorge Amado. Acho que o primeiro fui uma das únicas que gostou e titulou como favorito... Li rapidinho e o pegava não com aquela sensação "vamos lá ler para o vestibular", mas como o faria com um livro para entretenimento qualquer. E claro, o título achei simplesmente genial, assim como a maioria dos títulos de José de Alencar, mas isso é assunto para uma próxima resenha.
Enfim, a parte que mais gostei, do livro inteiro, foi quando o narrador chega em um lugar que é totalmente diferente do que ele tinha imaginado. Ele murchou totalmente, pois já tinha elaborado todas as metáforas maravilhosas para descrever o local que para ele seria lindo, o mais belo de todos, mas, na realidade, era como qualquer outro. Decepcionado e, em termos atuais, "chutando o pau da barraca", ele diz que está cansado e revela supostamente o segredo dos escritores românticos, revelando a "receita" dos romances. E essa passagem é simplesmente hilária!
Termino a resenha com o trecho.
[...]
Sim, leitor benévolo, e por esta ocasião te vou explicar como nós
hoje em dia fazemos a nossa literatura. Já me não importa guardar
segredo, depois desta desgraça não me importa já nada. Saberás
pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler.
Trata-se de um romance, de um drama — cuidas que vamos
estudar a história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os
sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja pateta,
senhor leitor, nem cuide que nós o somos. Desenhar caracteres e
situações do vivo da natureza, colori-los das cores verdadeiras da
história... isso é trabalho difícil, longo, delicado, exige um estudo,
um talento, e sobretudo tacto!... Não senhor: a coisa faz-se muito
mais facilmente. Eu lhe explico.
Todo o drama e todo o romance precisa de:
Uma ou duas damas, mais ou menos ingénuas.
Um pai — nobre ou ignóbil.
Dois ou três filhos, de dezanove a trinta anos.
Um criado velho.
Um monstro, encarregado de fazer as maldades.
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios
e centros.
Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eug. Sue,
de Vítor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que
precisa, gruda-as sobre uma folha de papel da cor da moda, verde,
pardo, azul — como fazem as raparigas inglesas aos seus álbuns e
scrapbooks; forma com elas os grupos e situações que lhe parece;
não importa que sejam mais ou menos disparatados. Depois vai-se
às crónicas, tiram-se uns poucos de nomes e de palavrões velhos;
com os nomes crismam-se os figurões, com os palavrões iluminam-
-se... (estilo de pintor pinta-monos). — E aqui está como nós fazemos
a nossa literatura original.
[...]