Michelle 15/02/2017
Dolorosamente Revoltante
“Sentia-me segura do amor da minha mãe. Amava-a e sabia que ela me amava. Ela haveria de mandá-lo parar. Mas não mandou.”
“Não conte para a mamãe – Memórias de uma infância perdida” é um livro onde a autora Toni Maguire conta a história de sua triste infância marcada por abusos físicos e psicológicos. Quando tudo começou, Antoinette, como era chamada pela família, tinha apenas 6 anos e, mesmo assim, ela jamais pode se esquecer dos detalhes, da dor, do abandono e de tudo o que sentiu.
A história se inicia com Toni acompanhando a mãe já idosa em estado terminal em um hospital quando ela começa a refletir e ter que lidar com os fantasmas de seu passado. Na década de 1950, o pai de Antoinette, um veterano da 2ª guerra mundial, retorna em definitivo para casa. Com as dificuldades financeiras e de emprego na Inglaterra, o pai, que gastou todo o dinheiro da indenização recebida depois da guerra, decide se mudar com a família para a Irlanda do Norte, sua terra natal.
Após a mudança, o pai, até então, bom para Antoinette, tenta se aproximar de forma estranha da filha de apenas 6 anos, com carícias, um beijo... E, nessa mesma ocasião, ele pediu segredo a menina.
Tendo oportunidade, Antoinette tentou contar o fato a mãe que transparecia ter medo do que estava por vir e pediu para que nunca mais a menina falasse sobre isso. NUNCA MAIS...
“Com uma triste resignação, apercebi-me de que a minha mãe sempre soubera o que o meu pai sentia por mim.”
Nesta história, lemos sobre um homem de atitudes monstruosas e manipuladoras. Foram anos de total exploração sexual, tortura física e psicológica feitas a uma criança e, posteriormente com o passar dos anos, a uma adolescente que não tinha a quem recorrer. Coagida por ameaças feitas pelo pai de que as pessoas não acreditariam, a culpariam por tudo, que a sua mãe a expulsaria e deixaria de amá-la, Antoinette sedia aos desejos desse pai tão asqueroso. Vemos uma mãe não somente relapsa e omissa mas egoísta, que priva a filha de seu amor e cuidado. Imersa em seus desejos de possuir uma casa própria, da vida profissional e financeira estáveis e da atenção do marido, de fazer parte de um aparente lindo casal em detrimento da integridade da própria filha, fazia com que a mesma passasse por situações de total abandono afetivo e, até mesmo, em relação sua higiene e vestuário. A atitude dessa mãe tem alguns lapsos de melhora somente quando as coisas correm da forma que ela deseja, indo ao encontro de seus objetivos e quando não aborrecem ao seu homem.
Não havia me preparado para essa leitura e acredito que nada teria me feito sentir pronta para o que estava por vir. Comecei o livro mal tendo lido a sinopse e não imaginei tamanha riqueza de detalhes ditos de forma tão direta. Acompanhar essa história é triste, doloroso e revoltante diante de sua realidade e de tantas outras histórias que ela representa.
Chorei... com vontade consolar Antoinette, tirá-la dessa situação, dizer a ela que não merecia isso e nada deve a essa mãe nem ao julgamento das pessoas. Toni sentia uma necessidade tão grande de ser amada que, durante anos, culpara apenas o pai. Achava que a mãe era apenas uma pessoa fraca. Uma criança, que deveria ter amor e proteção junto a sua família, teve a infância e juventude destruídas. Diante das outras pessoas, a família se passava por comum, com atividades sociais cotidianas mas somente Antoinette sentia o que lhe traria consequências em diversos os âmbitos de sua vida. Depois de tudo, ainda teve que sofrer com todo o preconceito e a rejeição por parte das pessoas, pela culpa que nunca foi dela...
Recomendo fortemente a leitura, apesar de se tratar de algo tão difícil e pesado, para que possamos, enquanto sociedade, abrir nossos olhos, nos atentar aos sinais de que pode existir alguma “Antoinette” sofrendo silenciosamente precisando ser acolhida.
“Pode construir-se uma casa e torná-la bela. Pode-se dar-lhe o aspecto mais maravilhoso possível e mobilá-la com objectos encantadores. Pode-se transformá-la num símbolo de riqueza e sucesso, como eu fiz com o meu apartamento em Londres, ou pode-se fazer dela um lar e enchê-la de felicidade. Mas, se desde logo não se teve o cuidado de construí-la sobre fundações sólidas, ao longo dos anos as rachas começarão a aparecer. Se não houver tempestades que ameacem a sua estrutura, pode manter-se de pé para sempre, mas, sujeita a pressão, em condições atmosféricas adversas, ruirá porque não passa de uma casa mal construída.”
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