Lisa 27/10/2023
Tão necessário quanto ingênuo.
Thoreau é um grande nome que influenciou grandes nomes, de Tolstói a Martin Luther King. Seu ensaio sobre a desobediência civil incentivou movimentos de revolução e resistência pacífica ao longo dos séculos. Sua ideologia não é anárquica, mas sim intervencionista, não quer o fim do Estado, mas a sua mudança e a nossa relação com este. Para ser resistência, contudo, é preciso questionar; o que é legítimo e o que é legal? O aparato do Estado legaliza, não obrigatoriamente legitima, e cabe ao cidadão a tomada de consciência sobre si e sobre as decisões da nação.
Thoreau escreve do contexto histórico em que a escravidão era legal, em que o EUA massacrava o México, mas não estamos tão distantes assim. Atualmente temos países como Turquia, Turcomenistão e Israel cometendo genocídios étnicos contra armenos e palestinos. Temos países como Estados Unidos com missões de "paz" que promovem guerra, outros como Rússia que rompem a soberania de outro povo. A coleção de governos golpistas autocratas no seio africano. Tudo dentro de certas legalidades, entretanto é moral? É legítimo? É justo? Não cabe a cada cidadão rebelar-se contra o Estado que toma decisões em detrimento próprio por cima e as custas do povo? Para o autor sim.
Para desobedecer é preciso questionar e discordar. Obediência, passiva como é, cega e aliena. Desobedecer causa alarido, irrita, desagrada e justamente por isso, é imprescindível. Entretanto, seu ensaio é também extremamente utópico.
Escapava ao Thoreau, o conceito de reforçamento. Ao dizer que há pouca virtude na ação da coletividade, coloca o peso da responsabilidade pela resistência nas costas do indivíduo e embora, sim, o todo seja formado por um conjunto de singular, vivemos em sociedade, relevância ganha massa quando plural. É aqui que seu discurso se torna raso, falho e ingênuo. Agimos por sermos reforçados, se meu conjunto de respostas me traz mais prejuízos que ganho, é provável que não torne a repetir. Há muito pouco valor em por exemplo, sonegar impostos sozinho, há ainda menos impacto e mudança no meu ambiente, além do alívio de minha própria consciência. Negar a importância do coletivo na desobediência civil e esperar que cada indivíduo haja em detrimento próprio, somente baseado em um valor, é irreal. Se eu quero promover mudança, é preciso trabalhar com o que existe. O que significa indiscutivelmente trabalhar com ideologia de massa.
Se desobedecer é questionar e discordar, não pode ser somente individual, precisa ser público e propagandeado para que seja adotado, reproduzido e efetivo.
Não atoa a propaganda de guerra é o carro chefe de qualquer governo e grupo político, é preciso vender o ideal, os objetivos, é necessário criar uma imagem visual homogênea, desumanizar o suposto inimigo. A Turquia fez isso com louvor com a Armênia. Hitler superou com a criação de um estereótipo judeu e o ideal ariano que persistem até os dias hoje. O Japão fez isso como ninguém com os coreanos e vietnamitas. E o EUA segue fomentando com primazia sua propaganda contra a china, contra mulçumanos e comunistas. Alardeando e aumentando a ilusão da sua importância, o fez contra o México, repetiu no Vietnã, continuou no Golfo Pérsico, em Israel e samba no Oriente medio.
Então, Thoreau e sua ideia de resistência pacífica e de desobediência civil são essenciais, mas a coletividade dela é quem faz a diferença, pois a coletividade política do governo é ainda mais maciça. Tomando seu próprio ensaio como exemplo, se pode notar o efeito disso, seu alcance e impacto se deveram somente por sua saída da esfera individual justamente para coletiva. Nada em sociedade é uno, como defende tão bem, Marx, o poder está na mãos do povo.
Por fim, não diria que foi uma leitura que amei, mas indiscutivelmente, é seguro dizer que este é um livro pequeno em tamanho, mas imenso em magnitude e impossível de ignorar.