MarcosQz 08/03/2024
Dualidade e alienação do homem
O prólogo de Demian é uma das coisas mais verdadeiras que já li. É realista, é a verdade individual de cada um de nós, um ponto de vista da vista de um ponto, usando as palavras de Boff. Mas é a verdade de todo homem. Acabei lendo o prólogo duas vezes, não sei se por incômodo ou prazer, fato é que esse começo de narrativa é simplesmente único, e é apenas um aviso do que pode vir pela frente, toda hipocrisia e dualidade que há dentro de nós.
Emil Sinclair é apenas um jovem que tem uma vida boa, de família rica, cheio de questionamentos como todo jovem. Sua vida começa a mudar quando conhece o jovem Kromer e uma mentira sobre um roubo que não existiu o leva a fazer coisas que até então seriam inaceitáveis para o jovem que vai se afastando da luz do lar e da família. Esse tormento acaba quando Demian, um pouco mais velho que Sinclair, ingressa na escola levando-o para outros caminhos, outros conhecimentos. Demian é diferente, tem ares de adulto, há algo de misterioso na pessoa dele, parece exercer uma certa atração em Sinclair, atração que muitas vezes parece até amorosa.
A narrativa segue a história de um Sinclair afetado por Max Demian, de como sua infância vai se desfazendo e sua consciência vai se formando através dos anos de juventude, uma consciência mais sombria, resultado do conhecimento de mundo que vai adquirindo. Demian possui sérias questões em relação à religião e a igreja, faz seus apontamentos que não podem ser ignorados, muitas das vezes está completamente certo, como ao dizer que tudo que é belo, nobre, sentimental etc é relacionado ao divino e o que sobra pertence ao demônio, como o sexo, sendo este o substrato da vida, são trechos profundamente provocativos.
Em vários momentos cheguei a duvidar se Demian era realmente humano ou algo mais sombrio, não humano, assim como sua mãe. Traz grandes questões e não só questões da juventude mas da vida como um todo para qualquer pessoa independente da idade ou sexo, o que é ou não proibido, certo ou errado, luminoso ou sombrio, justo ou covarde, tudo isso cabe a cada um descobrir por si só em longo e doloroso processo, processo este também de internalização sobre o que é ser humano.
É interessante notar como Sinclair vai sendo moldado a cada novo personagem que conhece, todos eles causam profundas mudanças em Sinclair, seja Kromer, Demian, Pistórius, todos o levam a evoluir e a se corromper, a se questionar cada vez, a ter mais clareza de si mesmo e ainda assim continuar cheio de dúvidas, e dubiedades e também hipocrisias.
Demian é um livro incômodo, mas muito verdadeiro, até visceral demais, merece uma segunda leitura futuramente. Há grandes questionamentos que merecem o retorno.