Lavoura arcaica

Lavoura arcaica Raduan Nassar




Resenhas - Lavoura Arcaica


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Ivo 29/04/2021

achei meio chato
acho que meu erro foi colocar espectativas. ouvi tantos elogios antes de ler, mas enquanto lia se não estivesse no ?mood? eu facilmente começava a achar todo o lirismo que enfeita a narrativa meio bobo. Sei que no fim foi tudo muito bem escrito, mas não me cativou em quase nenhum momento
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larissa dowdney 09/08/2009

sem palavras
O livro mais perfeito que já li na vida! A história de amor menos clichê que existe, pautada na insegurança, no ímpeto, na dúvida entre amor fraternal, carnal e muitos outros tipo de amor... A narrativa tecida de forma magnífica! Vale a pena ler, ver o filme, reler e reler e reler... É perfeito!
Paulinho 26/11/2014minha estante
Concordo. Fiquei maravilhado e já desejando reler!


Ricardo Rocha 16/02/2015minha estante
contente de ver seu entusiasmo renascido, se posso dizer assim. é um livro único realmente




Marina 28/04/2022

Após a leitura, entendo por que muitos apontam "Lavoura Arcaica" como uma das obras mais importantes da literatura brasileira.

Em um fluxo de pensamento, o livro permite que a gente se adentre na mente de André, nos seus anseios mais profundos, nas suas inquietações mais íntimas: o tormento causado pela figura paterna autoritária, o seu desejo incestuoso pela irmã, sua sensação de não-pertencimento à família e à fazenda... É angustiante e desesperador trilhar essa jornada com o protagonista, tão cheio de culpa e de receios, se sentindo tão sujo, mas querendo paz e calma... O final é impactante, mas faz todo o sentido. No fim das contas, o autoritarismo encontra suporte na violência.

"E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo, e
que se eles eram bons é porque o corpo tinha luz, e se os olhos não eram limpos é que eles revelavam um
corpo tenebroso, e eu ali, diante de meu irmão, respirando um cheiro exaltado de vinho, sabia que meus
olhos eram dois caroços repulsivos..."

"Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome" explodi de repente num momento alto, expelindo
num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, "era Ana a minha enfermidade, ela a minha
loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus
testículos"
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@Matcholo 11/09/2021

Gostei muito dessa leitura, apesar de não ter gostado tanto da temática do livro, sem dúvida é uma obra imprescindível da literatura nacional. A técnica e a forma como o autor descreve os acontecimentos é genial e mesmo não gostando tanto da temática não tive vontade de parar de ler em nenhum momento. Interessantíssimo todas as camadas e reflexões que o livro propõe, recomendo muitíssimo.
liaentrelivros 14/09/2021minha estante
Ai, está na minha lista! Que bom que gostou!!




João Pedro 12/01/2024

Partida, retorno, liberdade, devoção
Quando descobri a existência de Raduan Nassar, me intriguei do fato de sua obra ser tão modesta (são três livros publicados - um romance, uma novela e um livro de contos) e enormemente festejada. Nassar foi consagrado com o Prêmio Camões em 2016 pelo conjunto de sua obra. Em entrevista à Folha de São Paulo, em 1984, comunicou que estava a abandonar a literatura. Mudou-se para um sítio de sua propriedade no interior de São Paulo e passou a se dedicar à agricultura e pecuária.

"Lavoura Arcaica", primeiro livro do autor, publicado em 1975, é um romance que põe o leitor entre o desconforto e o deslumbramento. Dividido em duas partes - "A partida" e "O retorno" -, conta sobre o retorno de André, filho de uma família rural de modos bastante tradicionais e ortodoxos, ao seio familiar. A tensão constante entre liberdade e contrição, entre os copiosos sermões do pai e o desejo inquietante de romper o mundo de André parece ser a tônica da obra, até que, aos poucos, Nassar descasca e revela ao leitor o pomo de seu romance.

A dualidade se fez presente a mim por toda a leitura. A sensação de não saber para quem torcer, nessa ferrenha disputa familiar pela propriedade do verbo, pelo domínio da palavra. Senti que não estava do lado de ninguém, pois desgostava de todos, mas fui tragado pela escrita virulenta, poética e arrebatadora do autor.

Entendi por que lhe bastaram poucos livros para deixar sua marca na eternidade como um dos grandes escritores da literatura brasileira.
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Michele 05/03/2020

Um livro sem ingenuidades
"Lavoura Arcaica" é narrado em primeira pessoa por André, um rapaz pertencente a uma família que vive da agricultura e que saiu de casa para se afastar da paixão que sentia por sua irmã Ana. O enredo começa com seu irmão Pedro indo buscá-lo e convencendo-o a voltar para casa. Com a chegada desse irmão, mergulhamos nas lembranças e pensamentos do narrador. A linguagem é poética (eu diria que até demais, mas já explico por quê) e, em alguns momentos, a leitura chegou a me trazer ansiedade em vista da prolixidade do narrador, que pouco desenvolve a história, ciclando em intermináveis rodeios. A estrutura ajuda a dar essa sensação de cansaço, uma vez que os capítulos são em sua maioria compostas de um único parágrafo longo e formado, por sua vez, por um único período.
Após a leitura, a história continuou na minha mente. Comecei a analisar então a volta de André, em que parece haver uma ligação com a parábola bíblica do filho pródigo, ou seja, aquele que recebendo parte da fortuna do pai, sai a gastar tudo o que recebeu até retornar e pedir abrigo novamente na casa do pai por não ter lhe sobrado nada. André seria, nessa comparação, seu oposto, já que saiu de casa por lhe faltar tudo, por ser um faminto. Aqui se soma o fato de que o pai sempre contava uma história de um homem faminto. Mas essa fome de André não era por comida, mas por algo que lhe faltava de cunho mais metafísico.
Qual seria exatamente a fome de André?
Logo na chegada de André de volta à sua casa de origem, uma conversa estranha acontece entre ele e o pai, quando, tentando explicar os motivos de ter saído de casa, mergulha em um diálogo confuso em que o pai insiste que ele seja mais claro em suas palavras. O que André faz com seu pai não é diferente do que ele mesmo faz como narrador. Ele confunde com palavras “poéticas” e prolixas, atrapalha o entendimento para parecer ser sábio e dono da verdade, quando na verdade fugiu de casa porque Ana não aceitou manter uma relação incestuosa como ele propunha à irmã.
Diante disso, começo a concluir que o comportamento do narrador se justifica pela criação antiga (talvez daí o título "Lavoura Arcaica") que coloca a família como uma unidade indivisível (daí a fixação por um incesto), baseada em uma religião confusa que vai entre a Bíblia e o Alcorão, mas, sem dúvida, patriarcal, instigando que esse personagem perturbado se oponha à figura paterna, sendo o filho diferente.
"Lavoura Arcaica" foi para mim um daqueles livros que vão se ampliando à medida que refletimos sobre ele. Comecei a me dar conta de que aquele narrador tão poético e prolixo estava na verdade me enrolando e tentando me distrair com suas palavras de modo a me seduzir e me convencer de que sua postura era uma ato de amor.

site: https://youtu.be/obOfLVxSCPc
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estevesandre 14/08/2023

O exílio do Éden familiar
Em ?Lavoura arcaica?, Raduan Nassar resgata exemplos bíblicos, sobretudo a parábola do filho pródigo, para delinear o relato de André, jovem criado em uma propriedade controlada com mãos de ferro pelo pai, que crê que a felicidade plena depende da dedicação integral ao trabalho, à família e às tradições.

Oprimido pela educação rígida, o rapaz sente que, apesar de não lhe faltar o pão, não há mais um lugar para ele à mesa, restando apenas a fuga. Já isolado em um quarto de pensão, recebe a visita do irmão Pedro, disposto a devolvê-lo ao seio familiar. A partir daí, imergimos nas divagações de André sobre a vida na fazenda e descobrimos motivações mais obscuras que o tornaram transgressor do Éden do qual se exilou.

Além da rebelião do filho contra a autoridade paterna, o afastamento do lar e a repressão de uma paixão proibida, a influência bíblica se estende ao modo como o feminino é representado. Ana, uma das irmãs de André, caminha na linha tênue entre se portar como a moça digna e virtuosa que esperam que seja e a serpente sedutora e corrupta que a moral condena, nos remetendo ao paraíso de Eva e ao juízo de que o pecado tem origem na mulher.

Devido ao fato de narrar o conflito interno que consome André, este não é um livro fácil. Admito que, em muitos momentos, temia estar perdendo o sentido maior do que era dito, mas é nisso que reside a profundidade deste belo texto. Dono de uma escrita altamente poética, o autor faz constante uso de metáforas que buscam precisar sentimentos insondáveis e viscerais.

Embora o discurso lírico eventualmente sobressaia em relação ao enredo, é impressionante como, em menos de 200 páginas, Nassar é exitoso em dar tridimensionalidade aos personagens, permitindo que o leitor perscrute sua natureza interior. É também hábil em ambientar o romance, ficando nítida a relação dos espaços da ação com os humores da família.

Com passagem breve pela literatura, Raduan Nassar assinou apenas três livros. Contudo, ?Lavoura arcaica? basta para toda uma carreira. É um romance que guarda, em poucas páginas, densas reflexões e significados, convidando o leitor a revisitá-lo para continuar a devassar tudo o que está entranhado nas palavras.

| Resenha publicada originalmente na minha conta do Instagram: @memorialdeumleitor |
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(lidos só 2021 em diante) 26/05/2022

Páginas horríveis e páginas excelentes
Nesse livro tem muita página que parece ter sido escrita por um autor sob efeito de cocaína. Nas páginas sem efeito de drogas ilícitas a narrativa é formidável.

Vou valorizar mais as páginas boas do que as drogadas, então dei nota 7.

Mas tem página que só Deus na causa, são um porre.

A história do faminto é de uma beleza ímpar.

Tem mais diálogo do que acontecimento. Tem diálogo que é chato demais. Parecendo aula de autoajuda com retórica boa.

O enredo em si é nulo. Spoiler abaixando resumindo o livro:

Um ninfomaníaco tarado pelos irmãos e pelas cabras. E parece que ele era molestado pela mãe também.
Michelle.Fernandes 03/11/2022minha estante
Kkkkkkkkk eu tive a mesma sensação. E sobre ter sido molestado pela mãe, rodei que só as resenhas pois fiquei também com essa impressão! Mas sim, essa questão de páginas super bem escritas e outras nem tanto é real. Por muitos momentos pensei que esse livro poderia ter sido 100% bom não 50%, por que o autor só não seguiu a mesma estrutura?


(lidos só 2021 em diante) 03/11/2022minha estante
Eu acho que conforme ele ia escrevendo tinha dia que tava inspirado, tinha dia que não tava... Aí deixou assim mesmo Kkkkkk os trechos ruins são MT ruins. Vi geral falando do outro incesto que tá mais explícito no livro, desse da mãe aí... Sei não viu. Achei ela bem estranh




pólen 19/11/2009

Um pequeno ensaio literário sobre o livro Lavoura Arcaica
Ébrio, filosófico, poético, existencial são qualidades deste livro. A narrativa é tecida pelo narrador personagem André, que almeja alçar vôos nunca antes realizados, deseja tornar-se absolutamente único e singular e penetrar o misterioso e profundo desconhecido com as suas indagações sobre o existir. Alceu Amoroso Lima, filósofo brasileiro, certa vez escreveu sobre o livro: “novela trágica, (...) numa atmosfera bem brasileira, mas dominada por um sopro universal da tradição clássica mediterrânea. Drama tenebroso, em estilo incisivo, nunca palavroso ou decorativo, da eterna luta entre a liberdade e a tradição, sob a égide do tempo”.
O livro é dividido em duas partes: a primeira trata-se da partida; a segunda, do retorno. Isto porque o livro é a parábola invertida do filho pródigo. A prodigalidade é, nesse caso, o excesso e a abundância, ou a partir do meu olhar, é a potência de vida. A afirmação dos desejos mais humanos se efetiva na própria busca de André que almeja ser o profeta da sua própria história e fundar a sua igreja particular. Tal passagem no livro melhor retrata:

“pela primeira vez senti o fluxo da vida (...) e mal saindo da água do meu sono, mas já sentindo as patas de um animal forte galopando no meu peito, eu disse cegado por tanta luz tenho dezessete anos e minha saúde é perfeita e sobre esta pedra fundarei minha igreja particular, a igreja para o meu próprio uso, a igreja que freqüentarei de pés descalços e corpo desnudo, despido como vim ao mundo, e muita coisa estava acontecendo comigo, pois me senti num momento profeta da minha própria história, não aquele que alça os olhos pro alto, antes o profeta que tomba o olhar com segurança sobre os frutos da terra, e eu pensei e disse sobre esta pedra me acontece de repente querer, e eu posso!”

Tal trecho revela a singularidade singularíssima expressada pelo personagem, que projeta as suas possibilidades podendo ser si mesmo autêntico. É a liberdade a sua potência de vida e o seu excesso. Nessa abertura de si, expressa pelo ser livre, há a sua imersão ao transe fundo, ao instante marcador da temporalidade originária . O tempo que não é o tempo cronológico, mas o tempo dos tempos, ou o tempo que se eterniza no instante. Essa é peculiaridade do livro: as lindas passagens sobre a compreensão do tempo pelo personagem.
Um aspecto importante é a construção da narrativa. Nos momentos iniciais e na primeira parte do livro (a partida), o personagem relata a sua experiência solitária dentro de um quarto numa velha pensão interiorana e elabora reflexões sobre a angústia, o desespero, o conhecimento que tem do seu corpo; quando o seu irmão, Pedro, chega com as notícias da família e diz que todos aguardam apreensivamente o seu retorno. Durante o encontro dos irmãos, André relata o percurso da sua história e das suas escolhas. No segundo capítulo, o personagem retorna a sua infância, momento crucial que o marcou diante as suas indagações sobre mundo e suas relações na família. Já era nesse tempo que ele se regozijava sozinho longe dos olhos apreensivos da família quando: “amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho. (...) que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera?” Tal passagem revela a sensação de prazer sentida ao entrar em contato com a terra, com o movimento das folhas, o zumbido do vento nos galhos das árvores... Era o mundo ao redor o seu encanto, a sua plenitude; por isso o seio do lar se apresentava como uma concha que ao mesmo tempo acolhia-o e aprisionava-o. Quero dizer que já quando criança buscava algo que não havia na família, parece-me que ele tinha uma busca interior profunda.
Ainda ao recordar da sua infância e adolescência, ele relata para o seu irmão o valor que o pai tem para si. Este é o signo da permanência, tradição e austeridade em que pisa sobre pilares essenciais: a união, o trabalho e a verdade. Em um trecho do livro, o narrador-personagem André fala: “tudo em nossa casa está impregnado pela palavra do pai”; e quando todos da família estão sentados a mesa durante as refeições, o pai os orienta por meio do seu discurso as regras da ‘boa saúde’ . É por meio “da mensagem de pureza austera guardada em nossos santuários, comungada solenemente em cada dia, fazendo do desjejum matinal o nosso livro crepuscular” ; em que são tecidas as diferenças entre perspectivas – a do pai e a de André. E aqui vale a pena trazer a tona tais diferenças. Enquanto o primeiro buscava manter a tradição, o arcaico e o comedido; o segundo, a liberdade, o desvio e o excesso (abundância).
A voz do pai muitas vezes se confunde com a voz do narrador quando se refere ao tempo. Este é o absoluto e o infindável, no seu curso é capaz de mudar a disposição das coisas, pois a sua natureza é metafísica e sem marcação de inicio e fim. O tempo é o tempo da espera, do agir no momento exato sem precipitar. No capítulo nove é perceptível analisar tal fator relacional (o tempo e o pai):
“Que rostos mais coalhados, nossos rostos adolescentes em volta daquela mesa: o pai à cabeceira, o relógio de parede às suas costas, cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, e nada naqueles tempos nos distraindo tanto como os cinos graves marcando os horas: ‘o tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é o pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; (...) rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu piedoso e humilde, a conviver com o tempo”.

Nessas passagens há grandiosa sabedoria, o narrador e o personagem Pai nos ensinam a valorizar a forma de como vemos a vida e o modo de como podemos nos posicionar diante dela. A descrição do tempo se mostra dentro de uma potencialidade terapêutica. Ao saber dosar a quantidade necessária de percorrer com equilíbrio diante as próprias escolhas, é possível alcançar a maior das virtudes que o homem é capaz: a paciência. “O tempo, o tempo é versátil, o tempo faz diabruras, o tempo brincava comigo (...) porque existe o tempo de aguardar e o tempo de ser ágil”.
Nesses trechos, André observa o momento preciso de tomar sua decisão ao conseguir vagar e deslizar sobre um tempo metafísico e poderoso. Ao perpassar entre a espera e o seu projeto, submerge em seu transe fundo e reflete: “embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida” (idem). O que marca é a sua decisão, é a sua partida. O desvio da união familiar que o oprimia por vários motivos: a austeridade do pai, o transbordamento afetivo da mãe, e a paixão pela irmã.
A narrativa do livro permeia várias temporalidades: passado, presente, instante, salto (futuro). Isto é, há uma alternância de fatos do presente, fatos do passado, reminiscências que se atualizam no discurso do personagem e o salto da decisão (que pode ser entendido como um projetar futuro). As primeiras passagens retratam André e seu irmão, Pedro, numa pensão; e a partir da tentativa de trazê-lo de volta a casa, o protagonista relata toda a sua história e explica ao seu irmão o contexto de sua fuga. Quando se remete a infância, lembra-se muito da mãe, da sua fé, das suas brincadeiras com a pomba branca – signo da pureza e luz divina (no caso). Nos relatos da sua adolescência, há um misto de embriaguez, paixão, confusão e o temor da rigidez do pai. Como já foi falado, André também desejava desde criança buscar algo essencial e não sabia denominar a natureza da coisa em questão, posteriormente esse sentimento foi ganhando teor, substância e foi sendo transformado numa contundência em resistir e reivindicar a sua própria potência de vida.
Ainda no quarto com o teu irmão, André lembra-se de Ana, a sua irmã, e quase por um sobressalto lhe ocorreu a sua primeira crise. Ao relatar todo o seu percurso com furor decide falar sobre o seu caso com a irmã (que, talvez, potencializou o motivo de sua fuga): “Era Ana, era Ana, Pedro, a minha fome (...) era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos” . A irmã compartilhava as suas buscas e anseios desde quando era menino. A passionalidade é a característica mais marcante do personagem, quiçá seja o ponto de embate com o equilíbrio proposto pelo pai. E André vibrou com força ainda mais potente, quando se envolveu incestuosamente com um membro da família. A mãe já era o investimento de suas implicações passionais quando criança, então, com base numa interpretação minha, percebo que houve uma substituição da mãe pela irmã.
Após um longo percurso discursivo em que são entremeados presente, passado e futuro, e depois de relatar toda a sua intensidade plural e única ao teu irmão; André decide retornar a casa. Todos o aguardavam com grande expectativa e decidiram realizar uma festa para comemorar a chegada do fujão. Durante essa passagem, o protagonista e o pai dialogam. E penso ser o diálogo mais belo da história da literatura, pois mostra a complexidade relacional entre pais e filhos, entre diferentes anseios, entre a liberdade e a tradição, sob a égide dos tempos.
Filho: “Já disse que não acredito na discussão dos meus problemas, estou convencido também que é muito perigoso quebrar a intimidade, a larva só me parece sábia enquanto se guarda no seu núcleo, e não descubro de onde tira a sua força quando rompe a resistência do casulo; contorce-se com certeza, passa por metamorfoses, e tanto esforço só para expor ao mundo sua fragilidade”.
Pai: “Corrija a displicência dos teus modos de ver: é forte quem enfrenta a realidade; e depois, estamos em família, que só um insano tomaria por ambiente hostil.”
Filho: “Forte ou fraco, isso depende: a realidade não é a mesma para todos, e o senhor não ignora, pai, que sempre gora o ovo que não é galado; o tempo é farto e generoso, mas não devolve a vida aos que não nasceram; aos derrotados de partida, ao fruto peco já na semente, aos arruinados sem terem sido erguidos, não resta outra alternativa: dar as costas para o mundo, ou alimentar a expectativa da destruição de tudo; de minha parte, a única coisa que sei é que todo meio é hostil, desde que negue direito à vida” .

É por meio dessa profundidade dialógica que André decide contribuir para preservar a união da família. E se permite obedecer a soberania incontestável do tempo. Os trechos finais são de uma ‘tragicidade’ quase grega, em traços comuns pode se remeter a Édipo Rei ou a Prometeu Acorrentado. No último capítulo, Ana se cobre com todos os adereços mundanos da caixinha de André e por meio de seu ímpeto de vida dança uma violenta e ébria convulsão do corpo ao lembrar uma prostituta errante. Todos da família se assustam e o pai, ao não agüentar ver a situação decide matar a filha. E onde está a união da família?
Era como se o sobrevôo dos intempestivos fosse podado pela lâmina de uma foice.
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Daniel Teles 19/08/2021

Escrita Fantástica
É um drama pesado, porém este peso fica diluído na escrita maravilhosa do autor, que é o ponto forte deste livro.
Acompanhamos os pensamentos e angústias de André, um dos filhos de uma grande família que busca sua liberdade, sua individualidade, mas que tem um pai que presa o contrário disso, o conservadorismo, o comedimento, a família como o centro de tudo, e este pai, aplica estes preceitos na família com rigor. André se sentindo sufocado, foge de casa. Este é o começo da história. Algumas partes são arrastadas, mas a escrita do livro é tão maravilhosa que fale a pena. Recomendo.
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Alessandra 03/06/2021

Denso, intenso e transborda poesia
Raduan Nassar usa uma linguagem maravilhosa , cheia de metáforas e palavras incríveis.
Muitas vezes o ritmo da leitura te suga e é capaz de te fazer se sentir cansado ou em êxtase, como o personagem.
Sendo a temática tão polêmica não é de se estranhar que a escrita seja tão densa, mas esse é só mais um dos atrativos do livro.
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Mateus 06/01/2023

A dualidade entre instinto primitivo e civilização
Um fato que eu não sabia é que este livro é uma adaptação à parábola bíblica "A Parábola do Filho Pródigo", do Evangelho segundo Lucas. Porém, há a inversão e subversão dos sentidos da história original.

No geral, a narrativa gira em torno de um incesto entre irmãos.

Podemos afirmar que há um conflito geral entre os conceitos de civilização e instinto, se olharmos para a narrativa a partir da perspectiva freudiana.

Acerca da escrita, o fluxo de consciência que percorre o livro não me conquistou muito; chega a ser uma leitura bastante tediosa às vezes. Não ficou tão natural, sei lá. Creio que não é todo mundo que saiba empregar essa técnica literária tão bem quanto a Virgínia Woolf e/ou Clarice Lispector.

A linguagem empregada é exageradamente erudita, o que não é um problema para mim, mas pode ser para outra pessoa. É um estilo mais Kitsch, barroco-expressionista.

Enquanto eu tava lendo, eu soltei uma gargalhada na página 103 com o nível de delírio:

"Teu púbis, e uma penugem de criança há de
crescer junto ao halo doce do Teu ânus sempre túmido de vinho; e tudo isso ressurgirá em Ti num corpo adolescente do mesmo milagre que as penas lisas e sedosas dos pássaros depois da muda e a brotação
das folhas novas e cintilantes das árvores na primavera..."

O que é isso, sabe? Bizarro! Hahaha

Muitas vezes eu lia uma passagem e me perguntava: Mas o que é isso que eu acabei de ler?
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Naiade.Monteiro 05/07/2023

Paixão e Epilepsia
Uma história extraordinária sobre amor ardente, não romântico, mas de amor ardente às palavras, aos sentidos do corpo e sentimentos sobretudo, proibidos.
É possível ver inquietação, sentir o cheiro das sensações e ambiente, enxergar o cenário, a poesia e o desespero nos sentimentos de André.

Uma escrita que te deixa se perguntando: Como pode alguém escrever desse jeito ?
Até mesmo uma ereção vira paixão e poesia nas palavras de Raduan.

As menções que André faz sobre o Tempo das coisas é algo mais fantástico ainda.
Quando também André descreve como ele invadia e conhecia o íntimo da família, num cesto de roupas sujas, é de uma lindeza única.

Há quem possa desconfiar que essa história é uma tragédia desde o começo.
Pra mim é umas das coisas mais bonitas que já li.
Me sinto miserável em tentar balbuciar qualquer comentário sobre o que acabei de ler.

"eu que não sabia que o amor requer vigília: não há paz que não tenha um fim, supremo bem, um termo, nem taça que não tenha um fundo de veneno"

"Toda ordem traz uma semente de desordem, a clareza, uma semente de obscuridade, não é por outro motivo que falo como falo. Eu poderia ser claro e dizer, por exemplo, que nunca, até o instante em que decidi o contrário, eu tinha pensado em deixar a casa; eu poderia ser claro e dizer ainda que nunca, nem antes e nem depois de ter partido, eu pensei que pudesse encontrar fora o que não me davam aqui dentro."

"ela sabia surpreender, essa minha irmã, sabia molhar a sua dança, embeber a sua carne, castigar a minha língua no mel litúrgico daquele favo, me atirando sem piedade numa insólita embriaguez, me pondo convulso e antecedente, me fazendo ver com espantosa lucidez as minhas pernas de um lado, os braços de outro, todas as minhas partes amputadas se procurando na antiga unidade do meu corpo (eu me reconstruía nessa busca!"

"ela era, debaixo da luz quente das velas, uma fria imagem de gesso, e eu, que desde o início vinha armando minha tempestade, caí por um momento numa surda cólera cinzenta.."
Clakson 12/07/2023minha estante
Li ele depois de ver seu comentário no primeiro histórico de leitura. Ótima indicação!


Naiade.Monteiro 13/07/2023minha estante
Que livro, meu amigo. eu parei nele. To até de ressaca pensando nele ainda. Veja o filme depois. Tem uma adaptação pro cinema, que faz jus ao livro.




Fraoliveira180 03/02/2023

Um livro que vai falar a respeito do inconformismo de um filho que resolve sair da casa do seu pai após ser rejeitado por sua irmã devido seus pensamentos incestuosos.
Partindo dessa premissa parece uma história e tanto quanto macabra, porém a uma profundidade bem marcante a qual o autor submete leitor durante a narrativa.
O nosso autor faz uso do fluxo de consciência Marcando ainda mais o acesso do leitor aos pensamentos dos personagens.
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Leila de Carvalho e Gonçalves 12/07/2018

O Irmão Tresmalhado
Publicado em 1975, "Lavoura Arcaica" é o romance de estréia de Raduan Nassar e a história aborda uma fuga e suas consequências.

Após deixar para trás a família de origem libanesa que vive numa fazenda, André, protagonista e narrador, passa a viver numa velha pensão interiorana, quando recebe a visita do irmão mais velho, Pedro, encarregado de cumprir a "sublime missão de devolver o filho tresmalhado ao seio dos seus".

Através da conversa entre os dois, o leitor não só fica a par da severa rotina doméstica, mas dos motivos que levaram o jovem a abandonar tudo. Essa exposição toma a maior parte da obra e o ceticismo do jovem colide frontalmente com o relato dos sermões do pai que defende a ordem, a temperança e a paciência, aliás, a exposição dessas ideias no nono capítulo é uma preciosidade.

O retorno de André, após ceder aos apelos do irmão, faz com que a narrativa seja comparada à parábola bíblica do filho pródigo. No Evangelho de Lucas, o caçula de uma família abastada exige sua parte na herança e abandona a casa paterna. Partindo para uma cidade distante, não demora a perder todos os bens por conta de sua vida dissoluta e entao decide voltar. Oferece-se como simples assalariado ao pai que resolve perdoá-lo, sacrifica um novilho e dá uma festa de boas-vindas. Porém, André foge movido por outro impulso e, ao contrário do filho bíblico que submete-se às regras, provoca uma crise familiar que acaba em tragédia.

Quando lançado, o livro foi muito bem recebido, apesar de destoar da literatura brasileira da década de setenta que se preocupava com a desordem e a violência dos grandes centros além dos efeitos da ditadura militar, inclusive, no ano seguinte, recebeu o Jabuti entre inúmeros prêmios.

Hoje em dia, "Lavoura Arcaica" com sua linguagem altamente lírica, rara em nosso idioma, é considerada pela crítica uma das obras mais relevantes da literatura brasileira. Curiosamente, poucos anos depois, Raduan abandonou a carreira de escritor e virou fazendeiro, deixando ainda uma novela, "Um Copo de Cólera" (1978), e um livro de contos, "Menina a Caminho (1994). Essa decisão ainda causa discussão e divide opiniões.
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