Hildeberto 03/06/2021Profundidades"Moby Dick", de Herman Melville, é um livro único.
Inicialmente, é uma obra desafiadora, não só pela quantidade de páginas, mas também pela linguagem, que, embora correta e elegante, possui muitos termos típicos da vida marítima que geram dificuldades para leitores não habituados.
Um segundo obstáculo é sua estrutura. Não se trata de um simples romance, com começo, meio e fim: a parte narrativa corresponde, talvez, a menos da metade do livro. Há bastante digressões filosóficas sobre barcos, baleias, comércio; aparecem descrições detalhadas de ilhas, cachalotes, atividades; encontram-se passagens teatrais e diálogos aleatórios; existem trechos em prosa poética sobre aspectos cotidianos da vida...
Mesmo na parte narrativa, resta uma terceira dificuldade: os fatos e as personagens não são apenas o que aparentam, e sim arcanos de concepções mais profundas.
Com esses elementos, não é de estranhar que "Moby Dick" não tenha feito sucesso na época de sua publicação, e que até hoje vença muito de seus leitores. Ouvi, inclusive, que o livro seria uma mimese da baleia branca, devorando todos aqueles que o desafiam.
Mas estamos falando de literatura.
Já havia lido uns três quartos do romance, e não estava muito empolgado em terminá-lo. Foi então que todas as partes desnecessárias, todas as explicações enfadonhas, todas as tentativa de extrair beleza de algo banal, tudo começa a fazer sentido pelas palavras hábeis de Melville. O último quarto do livro é impressionante, mas ele só se torna incrível porque o autor soube construir todos os elementos necessários, lenta e gradualmente. Confia, leitor, e serás recompensado...
As cenas finais ganham em dinamicidade e dramaticidade; a alma prende-se a tinta, e afunda-se nas palavras; a baleia Moby Dick destrói não barcos, mas ilusões; a beleza e o terror do mundo misturam-se; sente-se a morte de seres imaginários, acrescentando-se um pouco de lágrimas ao mar salgado; rende-se a magnitude da obra.
Nunca li um livro sequer parecido com Moby Dick, embora, ao final, tenha me lembrado de Dostoiévski: associei o autor russo a Melville porque ambos abordam as profundidades da alma, posto que americano seja mais alegórico.
"Moby Dick" é uma obra singular, uma literatura rara, em forma de arte; toda sua beleza, contudo, só se revelará após o último ponto.
Gosto muito das edições da Abril Coleções, e como seria bom se eles expandissem o catálogo de títulos!