spoiler visualizarPaola 17/03/2023
Moby Dick: mais uma obra prima da humanidade.
Certamente, foi um dos livros mais significativos na minha vida.
Por vários motivos, acabei demorando 2 anos para lê-lo em sua integridade. Talvez por isso eu tenha me apegado tanto à obra.
A história narrada por Ishmael é basicamente a narrativa do capitão Ahab, sua tripulação e a busca por um tipo de vingança muito complexo, que pode ser vista de muitas formas.
Dessa maneira, é clara a inclinação do livro para a subjetividade. Para mim, o subjetivo é maravilhoso, que pode estimular muito nossa criatividade e capacidade de raciocínio.
Lendo esse livro você pode se sentir desafiado, pode sentir que você não tem toda a informação necessária para continuar. Porém isso não é verdade. A obra incita a nossa compreensão individual, e pode se adaptar à qualquer época ou situação, o que explica a sua posição como uma obra prima, um Clássico.
Nesta versão do livro temos diferentes conclusões a respeito do significado da história no posfácio, que são importantes no contexto de ver a influência das transformações sociais que são críticadas pelo autor.
Mesmo que o texto tenha sido escrito e publicado no século XIX, 170 anos atrás, a narrativa continua horrivelmente atual, de maneira que a manomania de Ahab esteja presente ainda na nossa sociedade. Segundo o olhar de que essa obsessão viria do desejo do homem de sobrepujar a natureza em prol dele mesmo; de forma que a caçada acabasse na própria destruição (como aconteceu com Ahab).
Não é de se admirar que apenas no século XX viemos a realizar a importância desse livro como uma análise social e psicológica da sociedade. Apenas agora vemos que o mundo é importante para nós e que devemos trata-lo como a fonte de nossa própria vida.
Aí vem a questão: Será que, como Ahab, essa realização venha tarde demais, sendo que a loucura já será parte de nós e não poderá ser sobrepujada?
Ou seremos como Ishmael, e teremos uma segunda chance que nos dará a possibilidade de narrar a história de loucura passada para as nossas novas gerações se assustarem?
De qualquer modo, somos os observadores de um barco que desde o começo estava naufragado.
Agora, saindo das especulações quando o significado geral da obra, venho dar minha opinião sobre a história, e como tudo nela é extremamente cativante.
As palavras e ideias distribuídas no livro podem ser difíceis de entender para leitores menos experientes. Eu não recomendo essa leitura para esse público, pois muito dos significados podem ficar perdidos e o cansaço deixará de tornar a história interessante (pois, por mais que eu goste muito de detalhamentos, muitas pessoas acham entediante). Então, se quiser mesmo ler esta obra na íntegra, sugiro que leia outras obras com um linguajar mais rebuscado e depois se volte para esta.
Esse trabalho de Melville é a sua melhor obra, com certeza. O livro todo parece transbordar um sentimentalismo infundado, que as vezes se abre em uma profundidade muito racional; essas ondulações proporcionaram uma experiência por vezes transcendental, no que tange a sobreposição de diferentes sentimentos e emoções em um só espaço no pensamento.
Ishmael é por si só bastante complexo. Não há como ouvi-lo sem pensar nele como o próprio escritor, colocando suas opiniões sobre todos como um narrador distante, às vezes esquecemos que ele também participa da cena. Apesar disso, podemos ver nele alguém que está ligado com o navio e seu propósito. Ele carrega a carga de ser um poeta, que vê o romântico da vida pelo seu prisma de náufrago da terra; mas também é um experiente baleeiro e nesse ponto ele também busca verdades fantásticas, capazes de explicar seus devaneios.
Seus devaneios! Vi outras resenhas que não viam sentido em tantas digressões na história; mas, sinceramente, se tirassem todas elas Moby Dick não passaria de um parágrafo. Os devaneios de Ishmael e de qualquer outro personagem apenas dão à eles mais vida! Pois contar uma história sem que sonhos sejam compartilhados à torna, nesse caso, disnecessariamente séria.
Sobre a seriedade, é importante discorrer sobre o humor esporádico do autor. Me peguei rindo várias vezes, mesmo nas cenas mais inquietantes. Todos os personagens, além de serem verossímeis (pois, todos nós leitores já nos deparamos com personagens desnecessariamente incongruentes ou forçados), todos possuem um carisma especial. O que seria da narrativa sem a espontaneidade de Stubb, os solilóquios advindos da loucura do capitão ou dos nervosos e temerosos suspiros de Starbuck? Eles possuem essa contrariedade de pensamento, essa discrepância tão grande entre um e outro que você só poderia imaginá-los juntos em uma situação louca; e o que mais isso seria, sendo que se encontram em um navio suicida?
Ainda sobre os personagens, não podemos desconsiderar o próprio Moby Dick. A baleia ganha tanto enfoque que constroí-se uma personalidade própria para ela. Além de ser um animal selvagem, ela passa para um lado mítico. Um ser inalcançável, que não deve ser perturbado e, claro, imortal. Moby Dick não se mostra maligno em nenhum momento, pelo contrário; vemos na baleia a definição de uma vida perturbada. Ele procura viver, enquanto todos os outros concordaram em buscar a sua morte. Será que a baleia não seria a própria tripulação? Buscando algo que lhes foi negado, talvez?
Mas como eu disse, não vou me aprofundar mais nestas hipóteses. Só quero chegar ao ponto de mostrar que até uma baleia pode ter uma personalidade complexa e sensível nas mãos de Melville.
A caracterização do ambiente é um dos fatores mais memoráveis do romance. O mar é sua imensidão são trazidos sempre de maneiras diferentes; as ondulações na narrativa acontecem como as ondas desse mar (se me permitem ser um pouco poética kkkkk). O céu e mar, por mais que não tenham a diversidade de uma cena em terra firme, apresentam as mais variadas formas e cores. O mar sempre vem à tona, seja como referência ou protagonista.
O navio é bem identificado ? por mais que as ilustrações realmente sejam necessárias para se entender bem ? pela narração dos vários aposentos dentro do barco percebemos a sua grandeza.
De certo modo, a tripulação vira o Chega a um momento em que não conseguimos mais imaginar a Popa sem Ahab e sua perna de marfim, andando de um lado para o outro. Ou mesmo o tombadilho sem uma alma sonhadora adormecida pelo sol. Todas as partes do navio se tornam vivas e pulsantes. De certa forma o final parece justo: Morre o navio e com ele toda a tripulação; que são apenas uma parte sua.
Quase me esqueci de uma das partes mais importantes! A cetologia. Ishmael se mostra um especialista nesta ciência e sabe, com louvor, explicar a dinâmica interna e externa da baleia.
O livro se aprofunda muito nesse quesito. Parece apenas mais um dos devaneios do personagem, mas ele tem um sentido a mais: Mostrar a realidade à seus leitores.
Na época em que foi escrito, pouquíssimas pessoas realmente sabiam como uma baleia parecia. Muitas tinham a ideia de que ela era um daqueles monstros marinhos em mapas antigos. Isso está bem explicado por Melville naquele capítulo sobre as diferentes pinturas de baleias; e como a maioria delas eram terríveis e irreais.
Essa preocupação em demonstrar a realidade de certa forma é contrária à natureza mítica da narrativa e da própria baleia. Porém, com a análise mais detalhada das intenções do autor, percebemos que ele não procura deixar o romance à mercê do fantástico; ele vai além disso e procura levar o fantástico à uma possível realidade. Ele quer que vejamos toda a história de Ahab e Moby Dick como uma possibilidade. Essa é uma das razões da comparação da obra com a modernidade, essa subjetividade infinita.
Além disso, é muito interessante entender como uma mente daquela época se comportava em relação à ciência. Grande parte dos conhecimentos de Ishmael não eram comprovados, mas hoje são. Ou ele mesmo errava em seus dados. Um exemplo: ele acredita que a cachalote é a maior baleia. Sendo que a Baleia Franca (bastante comentada em seus estudos) é sim maior do que ela. E como já sabemos hoje, a maior das baleias é a Baleia Azul, que nem chegou a ser comentada e, se foi por outro nome, não recebeu a importância devida.
Finalmente termino essa resenha dizendo que essa obra possui um lugar especial na minha vida; e espero que todos os próximos leitores apreciem ela tanto quanto eu.