Alessandro460 24/07/2024
O grande épico da literatura norte-americana
A primeira impressão que se tem sobre "Moby Dick" que trata-se de um livro para o público infanto juvenil. Isto ocorre porque ao longo do tempo, principalmente, dentro da cultura pop, "Moby Dick" é visto como uma estória de aventuras e em sua superfície, o livro é isso. Sendo assim, é possível ler "Moby Dick" dentro dessa chave de leitura, como uma aventura envolvendo uma perseguição à baleia branca que dá título ao obra. Mas, assim como todos os grandes clássicos, "Moby Dick" vai muito além disso.
O livro de Melville é si mesmo uma espécie de "criatura monstruosa",- para alguns leitores, pode se parecer com uma imensa esfinge-, com várias camadas e formada de vários tipos de discursos. Além da história de aventuras -emocionante em muitas passagens, o livro que tem capítulos curtos, também é um detalhado estudo científico sobre a anatomia e biologia das baleias, uma descrição da indústria baleeira em todos os pormenores, um registro histórico sobre a formação da nação americana, e alguns trechos, traz divagações filosóficas. Ou seja, a escrita de Melville é é si mesma é multifacetada: ela pode ser muito poética em suas descrições dos cenários naturais, analítica, científica e, até mesmo ensaísta em outros,- o que demanda um pouco de paciência do leitor-, e também pode ser bastante violenta em algumas passagens, principalmente, quando descreve as terríveis ações do capitão Ahab durante sua caçada à baleia branca.
Também no início da obra o autor cria um contraponto, mas que apresenta alguns pontos de semelhança, entre o selvagem Queequenc e sua outra metade, o civilizado Ismael. É sempre por meio do olhar não confiável desse misterioso narrador testemunha que os acontecimentos do livro, alguns descritos com contornos fantásticos e assustadores, são vistos.
Logo no início da obra, Melville propõe uma espécie de provocação ao leitor ao chama-lo pelo nome de Ismael,- o filho rejeitado de Abraão que é isolado de seu povo-, que o torna um "estrangeiro", aquele cujo olhar é de o fora, uma espécie de outsider (marginal, bem estilo do herói romântico do século XIX) e é ele que conduz o leitor para dentro da tripulação do Pequod.- onde se passa grande parte da ação do romance.
Também é importante ressaltar que "Moby Dick" é cheio de referências a passagens da Bíblia, nas quais são mencionados nomes de profetas e reis, dentre eles, um que dá nome a um dos personagens principais da obra de Mellville e também conduz o leitor na jornada do Pequod: o capitão Ahab.
Vale lembrar que autor cria o capitão Ahab nos moldes do grandes heróis vilões Shakesperianos e também assemelhando-se em seu aspecto vingativo e ressentido ao Satã de "Paraíso Perdido" de John Milton. Ahab em sua complexidade e suas peculiaridades, revela ser a mais notável criação de Melville. Poucos personagens da literatura universal é capaz de despertar reações tão diversas entre leitores que podem oscilar entre a repulsa e a admiração na forma como ele defende seus objetivos.
Mas, sem dúvidas, a personagem que mais instiga o leitor é "Moby Dick", em si mesma um mistério a ser decifrado. A forma como Melville a descreve, como se a dissecasse ao olhos do leitor, é dos aspectos mais interessantes do livro. É sua complexidade como animal ou ser monstruoso, e, principalmente a relação conflituosa até mesmo psíquica que mantém com Ahab, que a torna também um dos personagens mais fascinantes da literatura universal.
Por fim, não se pode deixar de comentar que o livro também tem um aspecto épico, como descreve os tripulantes do Pequod quando eles saem na perseguição e caça das baleias. Melville faz um uso de estilo épico, que evoca os grandes épicos, a exemplo da "Ilíada" de Homero, dando aos seus personagens, principalmente, Quenquec um aspecto heroico que ressalta suas qualidades, tais como a coragem e a nobreza.
Ou seja, em sua estrutura narrativa complexa "Moby Dick" é o que podemos chamar de mito literário, que dá margem para muitas leituras, com destaque ao modo como o leitor vai "enxergar" a baleia branca. Seria ela uma representação da uma força da natureza incontrolável, um símbolo da face vingativa de uma entidade superior (Deus), a manifestação do Mal como espécie de "duplo" da atormentada psique do capitão Ahab, ou uma alegoria sobre a expansão descontrolada do capitalismo americano? Ou seja, na leitura de Moby Dick há espaço para muitas interpretações dentro de diferentes contextos.
Assim como os grandes clássicos, é uma obra que não se esgota em uma só leitura e toda a vez que o leitor for ler "Moby Dick", com certeza vai ter uma nova leitura a respeito de livro.
"Moby Dick" é sem dúvida, uma obra-prima da literatura universal, seja por sua originalidade, a forma capta o espírito de sua época em um radical processo de mudança política e social, ou pela bela escrita multifacetada de Herman Melville, um dos grandes e mais geniais autores da literatura norte-americana.
Vale muito a pena a leitura. Mas, se faz necessário escolher bem a edição.
Observações sobre as edições de "Moby Dick". Há várias publicações do livro para todos os gostos e bolsos. Eu recomendo três delas:
A edição da 34, com tradução de Irene Hiresh e Alexandre Barbosa de Sousa com alguns textos de apoio que traz a repercussão da obra quando foi publicada e também análises de seus aspectos;
A edição da Zahar com tradução de Bruno Gambaroto, com várias notas de rodapé e textos que ampliam a compressão da obra.
A edição da CLC que traz a tradução de Márcio Hack que para mim é aquela que mais se aproxima do texto da obra original de Melville, com várias notas de rodapé que esclarecem os termos náuticos, as referências bíblicas e outros temas do livro.