Andreia Santana 17/10/2011
Moby Dick: para crianças, adultos e ambientalistas
O canto de uma baleia é de uma beleza e de uma tristeza que tocam lá no fundo da alma. É como se a nostalgia do mundo inteiro, de todas as eras de vida da Terra, pudessem conter nas notas emitidas por esses magnificos animais. Ouvi o canto da baleia uma vez e acredito que seja privilégio que baste para umas dez encarnações. Nem precisei me aventurar pelas costas geladas da Antártida, foi aqui mesmo, no litoral baiano. Já trabalhei para as baleias jubarte. Escrevia matérias sobre a migração delas todos os anos, para acasalar e ter filhotes nas águas quentes de Abrolhos. Era bom trabalhar para as baleias… Mas, lembrei das jubarte e do seu canto que inspirou inclusive as antigas lendas das sereias, por causa de uma cachalote, Moby Dick, a clássica baleia branca do romance homônimo de Herman Melville.
Divido a minha leitura de Moby Dick com leitores pequenos e também com os crescidos que não se importam em admitir que “roubam” os livros das prateleiras dos filhos ou irmãos mais novos. Se bem que, em se tratando de Moby Dick, é leitura para qualquer geração. Sinceramente, defendo que os livros infantis sejam leitura obrigatória para qualquer adulto que quer permanecer com o espírito leve.
Se você, querido leitor, é um militante do Greenpeace, encare Moby Dick como uma homenagem do autor à força desses animais incríveis que são as baleias. Sei que as descrições de caça e abate das cachalotes ao longo do livro são cruelmente terríveis, mas servem como o registro de um passado que nenhum de nós quer que volte. Pense no protagonista da história, o amargo capitão Ahab, como um homem fascinado e ao mesmo tempo com um medo tão grande da magnitude da natureza, que sua única forma de reagir é tentando destruir um oponente maior, mais forte e mais nobre.
Para quem tem menos de 15, trata-se de um dos livros de aventura mais fascinantes da história da literatura. Vale a pena conhecer o clássico, mesmo que você seja fã dos autores contemporâneos, de quem também gosto muito.
Moby Dick foi escrito em meados do século XIX, quando caçar baleias era uma prática comum e incentivada pelo governo. Herman Melville era marinheiro e se empregou em baleeiros ao longo da vida, daí que suas descrições detalhadas são a preciosa crônica de uma época. Inclusive, em um dos capítulos, o autor reflete sobre a crueldade da matança de baleias e chega a questionar se esses animais, tão impiedosamente perseguidos, correriam risco de desaparecer. As reflexões do escritor porém, demonstram o ponto de vista de um homem que viveu numa época em que os mares da terra eram tão povoados de baleias, que parecia impossível que algum dia elas fossem sumir. Vivesse hoje, talvez ele tivesse transformado Moby Dick num libelo de proteção a esses animais. Talvez não, quem vai saber?
O livro, para quem nunca leu, é narrado por um jovem marinheiro chamado Ismael (o alter-ego de Melville). Ele relembra a trágica caçada do capitão Ahab a Moby Dick, uma descomunal baleia branca tida como a mais perigosa de todas as cachalotes, praticamente imortal, visto que sobreviveu a dezenas de ataques de baleeiras e traz no corpo diversas cicatrizes e até pedaços de arpão. Moby Dick é o leviatã bíblico, o monstro marinho que amedrontou a antiguidade, o pesadelo dos marinheiros, a mais temida e mais admirada das baleias.
Descrita como uma verdadeira entidade, é o herói da história, salvando outras baleias do ataque insensato do homem, destruindo embarcações para se defender. Seu duelo com o capitão Ahab é antigo e profundo, ambos trazem no corpo as marcas de lutas passadas, são dois velhos deuses cansados. Do jeito que a história é contada, parece não haver espaço no mar para duas vontades tão fortes. Tanto o capitão quanto a baleia branca sabem disso.
Os medos em Moby Dick são ancestrais, alimentados por superstições e profecias. Mas também é um temor do desconhecido, do futuro, daquilo que está por vir. É uma das mais perfeitas metáforas da eterna luta do homem com Deus.