Sara 20/10/2024
Muitas travessuras pra um menino só
"As Aventuras de Tom Sawyer" (1876), de Mark Twain, evoca muitas memórias da infância, como o próprio escritor diz em seu texto de abertura. Durante 240 páginas, acompanhamos as peripécias de Tom Sawyer, que mora em um vilarejo às margens do Rio Mississipi, nos Estados Unidos do século XIX. Órfão de pai e mãe, ele vive com a tia, seu irmão e sua prima.
Tom é o tipo de menino levado e astuto, mas de bom coração. Ele apronta todas, com crianças e adultos. Para os meninos que o idolatram por sua ousadia e coragem, ele é um líder. Para os que o odeiam, ele precisa ser destronado. Quase 150 anos se passaram desde a publicação deste livro, mas sua história é atemporal. Ela levanta o ânimo de cada adulto massacrado pelas cobranças do dia a dia ao ressuscitar boas lembranças de quando éramos crianças. Esse foi o meu caso, pelo menos. Tive uma infância de ouro e muitos amigos meninos, logo, pude reconhecer um pouco de cada um deles em Tom Sawyer. E, assim como as meninas do livro, minha mãe não me deixava participar de todas as aventuras. Mas eu participei de muitas.
Mais do que um marco na literatura infantojuvenil estadunidense, o livro de Twain é capaz de reviver a criança que há dentro de nós e que jamais vai morrer - no máximo, ela se afasta, mas sempre encontra um jeito de voltar. E Tom Swayer é um personagem único, daqueles que pensamos: 'só podia ter sido tirado da literatura'. Ele apronta tanto que é difícil de acreditar como ele conseguiu sair ileso de tudo. Tom é um bom estrategista e consegue enganar a todos para conseguir o que quer - como na inesquecível cena da pintura da cerca. Ele é orgulho demais e jamais vai recusar um desafio. Junto com seu amigo Huckblerry Finn, outro personagem espetacular, eles vão participar do próprio funeral, caçar tesouros e perseguir bandidos. Tudo isso acentuado por uma imaginação extremamente fértil.
Contudo, se tem algo que magoa Tom Sawyer, é entristecer sua tia. Obviamente, nada como um pedido de desculpas, pois suas aventuras são imparáveis. Para levar o prêmio de melhor aluno da igreja e ganhar uma bíblia invejável, ele não tem nem medo de mentir para as autoridades relgiosas. O resultado é inesperadamente cômico.
Tom sabe que, na prática, não é considerado um bom menino, porém, não é o que vemos. Apesar de brigão, ele é justo com seus amigos e os protege a qualquer custo. Aqui, nos voltamos para Huckleberry Finn, seu melhor amigo. Huck é marginalizado pela sociedade pois vive sujo e maltrapilho pelas ruas, não vai à escola, e tem um pai alcoólico. Ele basicamente se vira sozinho, com a ajuda de Tom e poucos vizinhos. Huck, por ser "livre", é admirado por Tom.
Ainda que não seja o foco, a trama é situada na época da escravidão. Vemos como os escravos estão inseridos no dia a dia das crianças. Em determinado momento, Huck diz à Tom que um determinado escravo é legal e, às vezes, dá comida para ele. Mas, imediatamente Huck pede para Tom não contar isso para ninguém. Vemos como o racismo e o preconceito estavam intrincados naquela sociedade. "O cara mau da cidade", assassino e bandido, também é "mestiço" - como é descrito no livro. Nesse sentido, "As Aventuras de Tom Sawyer" é um reflexo da discriminação daquela época.
Contudo, o livro é sobre dar asas para sonhos que parecem impossíveis, ser corajoso apesar do medo e jamais perder a essência - você ainda pode ser aclamado e recompensado por tudo isso. Entre descobertas de amores, muita desobediência e aventuras sem fim, Tom Sawyer sabe aproveitar a vida ao lado dos amigos e, quando quer, refletir sobre suas atitudes e comportamentos. Mas nada como a chegada de um novo dia.