Flávia Menezes 27/07/2022
PARA ONDE VAI TODA A INOCÊNCIA QUANDO NOS TORNAMOS ADULTOS?
?As Aventuras de Tom Sawyer?, um dos maiores clássicos de todos os tempos do escritor Mark Twain, foi primeiramente publicada em junho de 1876, e até hoje é um daqueles livros que você começa a ler despretensiosamente, e se envolve de tal forma que não quer que ele acabe nunca.
Por mais que seja considerado um livro para crianças (e eu realmente penso que as crianças teriam grandes benefícios em ler um livro assim), esse livro é, também, uma verdadeira aula sobre escrita. Mark Twain é um verdadeiro maestro, que rege cada palavra com tanta delicadeza e perspicácia que você se sente dentro da história.
Uma técnica muito usada pelo autor nesse livro (e de forma brilhante, é claro!), é a utilização de sumários. Primeiramente, se me permitem, gostaria de contextualizar o termo, para quem ainda não o conhece.
O sumário, em uma narrativa, é quando o autor sintetiza várias cenas abreviadas, sem entrar nos detalhes, e que tem a importante função de abreviar o tempo e servir de ligação entre as cenas. O que nesse livro funciona perfeitamente bem. Pois a torna mais ágil, e com bem menos chances de ser cansativa, especialmente para os olhares infantis. Sem contar que, com uma escrita como a de Mark Twain, essas cenas continuam a provocar as mesmas sensações que trariam se fossem descritas de forma mais minuciosa. Você literalmente consegue sentir cada uma das cenas, cada emoção dos personagens, e ainda sente a história fluindo de tal forma que você nem vê o tempo passar.
E eu preciso dizer, os personagens do livro são extremamente cativantes. Tanto os personagens crianças quanto os adultos. Você se diverte, se emociona, se aventura, corre riscos, se aflige, e por muitas vezes, fica com o coração quentinho enquanto lê.
E o que dizer do protagonista? Tom Sawyer é um menino fascinante! Ele é tão travesso quanto é cheio de imaginação. Ele é uma versão mais humana do que tenho em mente de um Peter Pan. Porque ele é tão destemido, tão cheio de vida, e de paixões, que me senti contagiada por suas emoções. Sem contar que mesmo sendo tão peralta, Tom Sawyer é um personagem com uma inocência tão profunda, tão intensa, que você tem vontade de guardá-lo em um potinho e protegê-lo de todo o mal.
O amor que ele sente pela Becky, e ela por ele, é descrito de uma forma bastante delicada. Como se o autor realmente entrasse na mente de um menino de apenas 12 anos. Eles dizem ?eu te amo? e se beijam, e no instante seguinte, estão brincando e correndo um atrás do outro como as duas crianças que ainda são. O amor nesse livro é tão inocente, tão puro quanto o mais puro sentimento infantil.
E é aqui que percebemos porque um livro como esse não é apenas um clássico da literatura infantil. Mas um livro que deveria ser livro também pelos adultos.
Para onde vai a nossa inocência quando nos tornamos adultos? Será que não existe nenhuma parte nossa que ainda acredita em coisas mais puras, mais ingênuas? Será que ser adulto é só viver sempre pensando nas intenções (especialmente procurando pelas más) em cada ato, cada sentimento, cada palavra que dizemos ou ouvimos vindos dos outros? Será que nenhuma parte de nós pode se desprender das malícias, e ver algo em seu estado mais puro?
Lendo esse livro, eu pensei que quando dizem que devemos guardar a criança que existe em nós, não é só sobre não deixar de acreditar, ou de se divertir. Mas de guardar um pouco desse olhar de encantamento pela vida e, também, pelas pessoas. De olhar de forma mais profunda para o outro, em sua essência, porque é lá que a criança reside.
Verdade seja dita, mas será que acreditamos mesmo que essa criança que já existiu em nós, desapareceu por completo quando ficamos adultos? Em primeiro lugar, eu não acredito que a maturidade seja um lugar que alcançamos quando atingimos uma determinada idade. Mas eu penso em maturidade como um estado, que ora estamos nela, e ora podemos regredir um pouco. E tudo porque precisamos entender que a vida não é linear, e muito menos nossos sentimentos. E às vezes, é preciso descobrir nossas fragilidades e perceber que nunca estaremos prontos, fortes, e nem mesmo completamente maduros. A vida é um processo contínuo de transformações diárias. Só assim seremos mais honestos conosco e com os outros.
E em segundo lugar, eu tenho que saudar a todos os psicólogos e psicanalistas por continuar mostrando a importância que existe em olharmos com carinho e amor para essa criança que um dia fomos, se quisermos curar as fragilidades do nosso adulto e nos tornarmos pessoas mais inteiras e verdadeiras.
Se um dia você considerar ler esse livro, eu desejo de todo o meu coração, que você não o pegue apenas para se divertir um pouco, ou descansar a mente das coisas mais sérias da vida, ou mesmo das leituras mais intensas. Mas espero que se recorde dessas minhas palavras, e se permita acessar a criança que ainda vive em você.
Mark Twain não é um autor de clássicos por acaso. E sua narrativa é encantadora, como também é uma verdadeira escola para escritores, mesmo na atualidade. E confesso que já estou ansiosa para conhecer as ?As Aventuras de Huckleberry Finn?, o amiguinho do Tom Sawyer, e me aventurar mais nesse mundo tão cheio de inocência, de verdade, de simplicidade, de sentimentos e presença. Porque por mais adulta que eu seja, para continuar enfrentando todos os obstáculos que a vida vem me impondo, eu sei que tudo o que mais preciso é um pouco desses sonhos tão puros, tão ingênuos e tão repletos de esperança que me fazem acessar o que há de mais verdadeiro em mim: a minha criança interior!