Andreia Santana 24/06/2016
"A vida não passa de uma sombra que caminha"
Macbeth é intenso, vertiginoso, claustrofóbico, um thriller dos anos 1600 ambientado em um cenário medieval e cruel. William Shakespeare, com esse drama pintado de sangue, cria uma metáfora perfeita para a desconfiança, a inveja, a traição, a ambição cega e desmedida que leva à ruína, temas recorrentes em sua bibliografia.
O atormentado general escocês Macbeth abre caminho rumo ao trono de seu país no fio da espada após receber uma revelação de três bruxas. Tendo a esposa, Lady Macbeth como cúmplice e principal incentivadora de suas ações. A partir do assassinato do rei a quem servia, o casal se afunda em crimes e conspirações que ameaçam destruí-los.
Seriam as bruxas seres enviados pelo inferno para tentar o até então honesto guerreiro? Seria Lady Macbeth, como muitos defendem, essa tão terrível víbora que com sua língua afiada conduz o marido ao infortúnio ou ela apenas tem coragem de verbalizar as atrocidades que já povoam a mente dele? Ou Macbeth não passa de um dissimulado que sempre teve a intenção de tomar o poder? Ou ainda, teria o bravo guerreiro enlouquecido e tudo o que se passa nesse drama curto, preciso e angustiante é fruto dos delírios do personagem principal?
Seja qual for a conclusão do leitor, e todas são possíveis a depender da linha interpretativa seguida, vale destacar que ele é um dos vilões mais cruéis e ao mesmo tempo dignos de piedade da literatura clássica. Macbeth em sua perdição e solidão é tão humano que a única forma de lidar com o espelho que ele nos mostra, o reflexo dos nossos defeitos enquanto civilização, é chamando-o de monstro.
Com sua história crua e recheada de monólogos desconcertantes, Shakespeare mais uma vez explora o universo de intrigas, conspirações e jogos de poder que elevam e destituem reis. É a origem sem dragões e outros seres mitológicos (e as bruxas de Macbeth seriam seres místicos, quase religiosos, e não fantasia) do jogo dos tronos. Se G. R. R. Martin bebeu na fonte da Terra Média para criar sua sanguinária Westeros, não é segredo para ninguém que Tolkien sempre se banhou de corpo inteiro nos dramas shakespereanos.
Para conceber Macbeth, o bardo inglês se inspirou nas Crônicas sobre a Inglaterra, Escócia e Irlanda, dos reis Duff e Duncan, publicadas em 1587, e no filósofo escocês Hector Boece. O dramaturgo, além de livremente basear-se nos sórdidos fatos reais de seu tempo ou de gerações anteriores à sua, também era grande conhecedor da história inundada em vísceras e cabeças decepadas da Grã-Bretanha medieval. E aqui é preciso agradecer a todos os predecessores de William Shakespeare, como os autores das novelas arturianas, por exemplo.
A força de Macbeth enquanto clássico atemporal e imortal reside no fato de que além da ambição mostrada com sua face nefasta, das traições, golpes de estado e intrigas que permeiam a história de Shakespeare e que ainda reverberam nos dias atuais de traições políticas e guerras sanguinárias mundo afora; a segunda parte do livro é sobre culpa, autopunição e o remorso que tortura até a perda da razão.
Escrita originalmente como peça de teatro, Macbeth já foi adaptada muitas vezes para o cinema. A mais recente, de 2015, dirigida por Justin Kurzel e com Michael Fassbender e Marion Cotillard vivendo o casal protagonista da história. O filme de Kurzel, inclusive, é uma adaptação bem fiel ao texto de Shakespeare, com uma fotografia bela, desesperada e angustiante.
A história de Macbeth também já foi adaptada como ópera, quadrinhos e minissérie para a TV. O texto, escrito no alvorecer do século XVII, é assustadoramente atual!
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