JJ 19/01/2020Personagem síntese do paísMacunaíma é estória que, se ainda causa estranheza ao leitor contemporâneo, muito mais deve ter provocado no público leitor da década de 20 do século XX. Naquela época, vigorava uma visão de mundo sob primazia dos valores europeus. A ideia era a de “embranquecer” a população brasileira, já que o elemento indígena e o negro eram tidos como fatores negativos ao desenvolvimento nacional.
Mário de Andrade, com o seu Macunaíma, deslocou o eixo de narrativa para as profundezas do Brasil, e nos apresentou um apanhado do folclore nacional, com referência a lendas e à participação ativa de personagens fantásticos nas aventuras do personagem-título. Houve a transposição para o texto escrito de palavras e expressões de domínio popular, mas desconhecidas dos grandes centros urbanos. O Brasil que queria ser europeu foi apresentado ao Brasil das matas e dos campos.
Dentro desse contexto, Macunaíma exprimia a identidade nacional. Nada de comportamentos identificados com as regras de boas maneiras à moda europeia. Mário de Andrade criou um heroi com elementos e cores locais, porém, não necessariamente virtuosos. Macunaíma valoriza suas origens, seu modo de ser, renega o que vem de fora. Ao mesmo tempo, é indolente (ah, que preguiça…), não mede as consequencias de seus atos e age quase sempre para a satisfação de seus instintos.
Mas, mesmo essa identidade é difusa. O subtítulo – O heroi sem nenhum caráter – conduz a esse outro caminho, de demonstrar igualmente a inexistência de um caráter definido; na verdade, o livro chama a atenção para um caráter em formação, simbolizado pelo personagem principal. Por isso, Macunaíma encarna a alma brasileira, segundo a visão do autor: jovem, porém imatura.
Para o leitor, a forma do texto pode causar alguma dificuldade uma vez que o autor empregou forma coloquial, um estilo que procurava reproduzir o ritmo da contação de estórias populares. Contudo, nada que prejudique a compreensão geral das aventuras do heroi Macunaíma.