luisa972 20/08/2021
Macunaíma, o herói dos brasileirOs
Ler Macunaíma é difícil. Falar sobre é mais difícil ainda.
Afinal, seria certo julgar um livro baseado em uma cultura diferente da minha levando em consideração apenas meu ponto de vista quase inteiramente ocidental? Tenho noções diferentes sobre o que é bonito e feio, bom e ruim, certo e errado. Noções que vieram dos europeus que invadiram esta terra e sobrepuseram sua cultura a todas as outras. Assim sendo, acredito que seria errado rebaixar Macunaíma de uma forma que desse a entender uma crença na posse do ocidentalismo sobre toda a verdade. Porém, entender que minha linha de pensamento tem certas inclinações não significa que eu deva ignorar todas as minhas convicções, sendo uma delas a igualdade de valor entre homens e mulheres.
Realmente não gosto que Macunaíma seja supostamente uma personificação da brasilidade ou visto como o herói de nossa gente quando suas atitudes perante as mulheres são absolutamente imundas e nojentas. Quem é “nossa gente”? Se sob alguma perspectiva Macunaíma for de fato um herói, ele é herói unicamente dos brasileiros, pois para as brasileiras ele é um vilão. São elas que sofrem por sua hipersexualidade. “Pintarem” um estuprador como herói representa um dos principais e mais pertinentes problemas do Brasil: a adoração de figuras que não deveriam ser consideradas modelo, cujas falas e ações não coincidem com os direitos humanos de determinado grupo. Talvez Mário de Andrade quisesse fazer uma crítica, mas a normalização de atos como o assédio e o estupro foi completamente equivocada.
Fora isso, que já deixei claro que considero repugnante, o autor merece algum crédito. A exposição e democratização da cultura indígena se fazem necessárias em um país que possui uma altíssima dívida com esses povos. Além disso, os acontecimentos são tão absurdos que me encontrei rindo alto diversas vezes, e o uso de expressões populares foi o que mais gostei sobre o livro, pois havia passado pela minha cabeça o quanto algumas delas poderiam ser antigas! Então, não só aprendi muito, como fiz isso de uma forma divertida!
Em suma, é inegável que “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter” seja uma obra interessantíssima. O que me decepcionou foi como um escritor com propostas tão modernas e progressistas pôde deixar que ideias fortemente misóginas e conservadoras tivessem um papel de destaque na sua história, perdendo a possibilidade de serem vistas como uma crítica. Macunaíma, o “herói” que passava tanto tempo refletindo sobre a injustiça dos homens, mas que em momento algum refletiu sobre a injustiça das mulheres.