Eric 16/06/2022
É doce morrer no mar
Mar Morto trás um belíssimo e fidedigno retrato de um povo pouco falado na literatura. Aqui, vamos conhecer a rotina das família que vivem do mar, mais especificamente da vida dos condutores de saveiros. Gente muito pobre e humilde, que ganha a vida com transportes de encomendas e a pesca no Recôncavo Baiano, o qual possui uma relação muito íntima com a natureza marítima e os mistérios de Iemanjá.
O destino é certo: os homens já nascem para serem mestres desses barcos, filhos e esposos de Iemanjá. Já as mulheres que casam com esses mestres estão destinadas a ficarem viúvas e se virarem para criar os filhos que perderão os pais para as profundezas das terras de Aioca.
Com uma escrita poética e muito íntima, Jorge Amado traz a história de Guma, um menino que cresceu com seu tio Francisco, mestre de saveiro que passou toda a tradição para o sobrinho, o qual se torna um dos melhores mestres da sua comunidade. Também conhecemos a história de Livia, uma mulher da terra que vive um amor muito sincero com o marinheiro acompanhada dos seus receios com o emprego da sua paixão.
Nesta obra vamos ver um dos melhores lados do Jorge Amado, aquele que observa e homenageia um povo muito esquecido pela sociedade. É com muita delicadeza que o autor descreve o ambiente, a cultura e o cotidiano. A linguagem poética potencializa a beleza dos cenários e intensifica o sentimentos e as relações dos personagens com a natureza, morte e religião. O engraçado é que o autor já explica ao leitor no começo da obra que se esse texto não transmitir tudo o que é a vida desse povo, é porque foi contata a partir da visão de um homem da terra.
Iemanjá é uma presença constante no cotidiano desse povo. Jorge Amado consegue captar cada nuance da devoção que esses homens entregam a orixá. É uma relação de agradecimento constante, de desejo de morrer em seus braços, uma busca por estar sempre com sua presença. Já dizia uma das músicas do botequins dos cais: ?É doce morrer no mar?.
Vale ressaltar a singularidade do autor em sempre trazer personagens que marcam seu acervo literário. Apesar de Guma e Lívia serem o centro dessa narrativa, a Rosa Palmeirão foi a que ganhou um carinho especial. Junto com Gabriela, essa personagem já entrou no ranking das melhores já criadas pelo autor. Mesmo que sua passagem não tenha uma espaço tão merecido, ela consegue ser marcante e muito forte por representar uma feminilidade que foi embrutecida pela vida.
Mar Morto é uma experiência única e marcante. É belo, trágico, divertido e cultural. É um retrato digno de um povo que não abdica da sua miséria em prol de viver suas íntimas relações com o mar.