Laura Finesso 10/08/2020É doce morrer no marPorque ninguém pode nascer ou morar no mar sem o mar o amar como amante ou amigo. Pode-se amar o oceano com amargura. Pode esse amor ser medo ou ódio. Mas é um amor que não se pode trair, que nunca se abandona. Porque o mar é amigo, é doce amigo. E talvez seja o próprio mar a terra de Aiocá que é a pátria dos marítimos.
Hoje é aniversário do Jorge Amado, que completaria 108 anos. E nada melhor para comemorar a vida desse escritor do que a sua obra-prima, um dos cinco maiores romances brasileiros, escrito quando ele tinha apenas 24 anos.
O livro é uma história sobre a vida, o amor e a morte dos homens dos cais da Bahia; é um romance épico, que acompanha o marinheiro Guma e sua amada, Lívia. Enquanto os marinheiros como Guma tem conforto ao saber que irão morrer no mar e ir para as terras sem fim de Aiocá, para os braços de mãe e amante de Iemanjá, as mulheres e mães sentem medo pela vida deles, vida tão sofrida e com um destino já irremediável. Essa é a luta e a incerteza de Lívia, e de diversas outras mulheres do cais, tanto que o livro já começa com a morte de um marinheiro e a dor de sua mulher.
Guma é um personagem por demais humano, com seus defeitos e dúvidas que Jorge conseguiu descrever muito bem. Já Lívia é uma mulher forte, mas que não tem medo de mostrar sua vulnerabilidade, o que a deixa mais bela ainda. Os outros personagens do livro são sempre assim: humanos, com seus defeitos e qualidades. Mas eu diria que o personagem principal desse livro é o mar, Iemanjá, não os outros que contam suas histórias. O papel do mar nesse livro não é só de complemento, mas de destaque e admiração: é o papel de uma deusa, de fato.
Eu, que já estava acostumada com o tom de romance proletário que as obras de Jorge levam, fiquei surpresa ao notar que nesse livro já não é tão forte o teor de revolução; na verdade, aqui a luta é diária e Jorge Amado apenas retratou uma realidade, por mais que sofrida e por vezes desumana. Para mim, essa é a magia da escrita desse homem que levo em meu coração, é como ele consegue instigar o leitor a fazer suas críticas ao sistema capitalista e suas mazelas apenas nos expondo os fatos. E os personagens transparecem tão bem o amor pelo mar mas a dor da miséria, a dor da desesperança e dessa incerteza que é viver nas margens, seja do mar ou da sociedade.
E Jorge Amado amava a sua terra. Sua escrita nesse livro, como é descrita por muitos, transcende a prosa e se solidifica como poesia. Uma poesia em prosa, que nos embala no ritmo do mar: por vezes agitado, às vezes contendo a calmaria que precede o desastre, mas quase sempre belo, mesmo que com seus percalços e perigos. Porque é doce viver no mar, mas é ainda mais doce morrer nele.
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