Rê 02/07/2018Um passado como o dos Compson é erva daninha. Tem que arrancar pela raiz e incinerar o campo, não tem jeito. "(...) São sempre os hábitos vadios que você adquire que depois causam arrependimento. Foi o pai que disse isso. Que Cristo não foi crucificado: foi erodido pelos estalos mínimos de engrenagens minúsculas. Que não teve irmã."
Indeterminadas temporalidades, sentimentos que explodem, um núcleo familiar que caminha em direção à própria desintegração, e tragédias que perpassam gerações. O trecho que cito no início desta resenha é provavelmente a passagem que mais me perturbou. Mas é isso, né? Acho que este é o ponto nevrálgico, afinal. A literatura está aí a serviço da dor, do silêncio, da poesia, e do que mais for preciso ser expurgado. De cara entendi que a fama de leitura infernal que o livro carrega procede. Poucas coisas são mais importantes do que perder o medo, e eu tinha muito medo da narrativa faulkneriana. Eis a questão: Se não for para exercer um papel transformador, de que a literatura é válida? Para que ela existe? É estranha a sensação de se sentir tão pequena diante de uma obra que parece que não acaba nunca, mesmo depois que você terminou de ler a última página. Nos momentos em que a incompreensão beirava o insuportável, eu me questionava: que necessidade é essa de entender tudo? Mas é sintomático, haja vista a literatura atual que transforma qualquer enredo em algo mecânico, autoexplicativo. Tudo precisa se encaixar o tempo todo.
E aqui, o que há? Aqui há pensamentos que voltam, sentenças que se repetem incessantemente, parágrafos intermináveis, sintaxe quebrada e nenhuma preocupação com pontuação. Quem não entra no fluxo perde o bonde (e a experiência). É muita violência, muita brutalidade, muito ressentimento. Os personagens são grandiosos, o texto é grandioso, as discussões são grandiosas... Ternura, ódio, repulsa, comiseração, etc. Impossível listar a profusão de sensações que acompanhar a jornada dos Compson proporciona ao leitor. A propósito, vai ser lindo ler isso em outra fase da vida, já mais amadurecida e tomada por uma compreensão de mundo diferente da que possuo hoje. Ler Faulkner é testemunhar a imortalidade da arte; é a prova viva de que a palavra escrita é capaz de transcender o tempo e vencer a morte. Você acha que sabe escrever e, surpresa, você não sabe. Porque manipular um texto literário e desconstruí-lo dessa maneira não é para qualquer um.
Se eu puder dar um conselho é: não leia por indicação, não adianta. Acontece que esse é o tipo de livro que você precisa descobrir por si só e estar pronto para ele. Eu acredito piamente nisso. Demorei alguns anos para estar.
Genial é pouco. Quero mais Faulkner, e logo!