Larissa.Carvalho 20/07/2022
O Som e a Fúria - William Faulkner
O Som e a Fúria é um livro no qual a beleza inicia-se no título e, se considerarmos a edição da Companhia das Letras, também no design da capa. Felizmente, é um caso em que podemos julgar o livro pela capa tranquilamente, pois o que está dentro dela apenas aprofunda e aumenta o que o exterior promete.
Neste clássico da literatura norte-americana, Faulkner emprega com maestria a técnica do fluxo de consciência, que tem como seus principais expoentes James Joyce e Virginia Woolf. Ao contrário das narrativas psicológicas e autocentradas destes autores, porém, O Som e a Fúria entrega um enredo cheio de suspense e plot twists, digno de um bom romance policial. Essa história, que já seria interessante contada linearmente, tem sua temporalidade quebrada e distorcida por Faulkner, o que a torna um legítimo quebra-cabeça e é fonte de extrema curiosidade e imenso prazer para o leitor.
A essa aparente discrepância entre forma e conteúdo - técnica e enredo - soma-se ainda o fato de que este livro é composto de quatro seções, cada uma delas narrada por um personagem distinto. Fazendo jus às diferenças psicológicas, temporais e sociais entre estes personagens, cada voz narrativa possui características próprias.
De início, o leitor é jogado em um limbo com Benjamin, o primeiro narrador. A ingenuidade e a dificuldade de compreensão da temporalidade pelo próprio personagem - que possui deficiência mental - leva a uma narrativa fragmentada, confusa e às vezes repetitiva. A seguir, nos deparamos com Quentin, um acadêmico culto e melancólico, que representa outro extremo narrativo, marcado por longas digressões filosóficas que dificultam a compreensão do real. Nos dois últimos capítulos do livro, temos narrativas mais tradicionais e temporalmente lineares, que apesar de aparentemente discrepantes com a "primeira parte" do livro, cumprem bem o papel de nos apresentar duas versões sobre os acontecimentos que culminam na decadência dos Compson: a de Jason, um homem machista e racista, que culpa todos a sua volta pela sua infelicidade; e a de Dilsey, uma criada que se torna referência de afeto e cuidado em uma família marcada por discórdias e tragédias.
Assim, a nossa compreensão da história e o estilo narrativo parecem caminhar em conjunto ao longo do livro: no começo, ambos fragmentados e confusos; aos poucos, porém, os acontecimentos vão se encaixando, tomando forma; no final o que temos é uma história, de som e fúria, e muito bem contada.