Retipatia 24/10/2018
Uma verdadeira ode ao feminino!
Uma noiva a caminho das núpcias, uma filha vendida à fera, um elfo que vive no coração da floresta, uma garota que vive entre lobos, uma vampira solitária, um gato de botas... todos seres e histórias dignas dos mais conhecidos contos de fadas, transformados em histórias cheias de detalhes, beleza e significados nas palavras da incrível Angela Carter.
A leitura começa com a jovem noiva seguindo viagem de trem para o castelo de seu esposo e, a seguir, nos leva para o jogo que leva o homem a perder a filha para a fera e, de pronto, conhecemos um gato que gosta de andar sobre botas. Não paramos aí, adentramos a floresta e conhecemos uma garota feita de neve, uma outra senhora reclusa e um homem que se transforma à sua cheia... até Alice aprecia bem mais a companhia de lobos do que de homens...
Traçamos esses caminhos por 10 contos, todos narrados em um tipo de sincronia e balanço que só Carter expressa. São detalhados, dizem muito de lugares, pessoas, trajes, formas, texturas e cores. E, no mesmo montante, narram acontecimentos, diálogos e aventuras. Todos os contos têm seu misto de fantasia, ficção, realidade e romance, aliados à boa dose de sensualidade que seduz para o mundo momentâneo de cada pedaço de história, ainda que, por vezes, essa venha a se exprimir em poucas páginas. Aliás, tamanho e qualidade por aqui não andam de mãos dadas, já que os contos variam em tamanho, mas sem dispensar o primor narrativo que a autora consegue desencadear tanto quanto em primeira quanto terceira pessoa.
Em O Quarto do Barba-Azul, que da título à obra e o conto mais longo da coletânea, Carter é subversiva quanto ao papel de salvador, no conto originário reservado aos irmãos da donzela, desencadeia um covil para o Barba-Azul prestes a engolir a pureza e a decência de sua nova esposa, e dá toques de sensualidade e irreverência aos detalhes que vão do personagem do afinador de pianos à simbologia do sangue e da marca que ele deixa.
Aliás, todas as histórias têm seu quê de simbólico, seja com o pai da Bela vendendo-a para a Fera, seja com os pássaros que o rei dos Elfos aprisiona em seu casebre na floresta ou com uma jovem garota que fora feita de neve, tudo tem um sentindo além do que está escrito e clama para que o leitor desvende as nuances de cada conto como se despisse uma dama vestida com camadas e camadas de cetim.
Um dos contos que mais imergi floresta adentro foi O Rei dos Elfos, além da história que deixa curiosa pelo desenrolar, há uma grande beleza na descrição dos cenários, sendo inclusive, tecidos parágrafos e mais parágrafos seguidos da mais pura narrativa descrita de local, sem nunca tornar qualquer frase parada ou enfadonha. Uma maestria que apenas enriquece e atiça a imaginação e dá asas para fazer fluir os acontecimentos da história por entre as árvores e criaturas tecidos na mente.
Outro que merece destaque é A Senhora da Casa do Amor, em que a imortal vampira tece seus sonhos pelas cartas de tarô que joga noite após noite, até que o destino a apresenta a oportunidade de mais um banquete apropriado, um inesperado jovem que reverte as circunstâncias da morta-viva.
Aos amantes do famoso A Bela e a Fera, a coletânea conta com três versões da história, da mais próxima ao que conhecemos, à uma bela que se transforma em fera. Todos repletos de tons vermelhos de rosas incautas e espinhos traiçoeiros.
Claro que cada um dos contos poderia ser objeto de análise detalhada, íntima e pormenorizada. Mas merecem, muito mais, toda atenção do leitor a desbravar as palavras e sentidos que povoam cada uma das histórias. Em resumo, precisam ser lidos para serem sentidos.
Toda a obra de Carter é uma ode ao feminino, com demonstrações claras da sensualidade que reverbera das próprias mulheres, o misticismo da virgindade, a força da maternidade, os elos do amor e refutando o papel de donzela em perigo e mulher indefesa. Sem dúvidas, mais que leitura recomendada para os amantes de releituras de contos de fadas, já que é deleite para a imaginação, mas necessária para fazer questionar tudo e todos ao nosso redor e os papéis que a literatura costuma moldar em suas páginas de papel, para as mulheres.
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