Nina 01/02/2024
Esse não é um livro sobre traição
A primeira pergunta que surge ao falarmos sobre a leitura de Dom Casmurro é “e aí, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?” É quase impossível fugir dessa indagação, no entanto, gostaria de expressar que este livro vai muito além desse questionamento - ouso dizer que - a história não se limita a traição, nem a Capitu, é inteiramente sobre Bentinho.
Como mulher (é importante destacar que a traição não é uma questão de sexo, mulheres também traem) é claro que comecei a ler já desconfiada de Bentinho, mas é importante frisar que Dom Casmurro é contado a partir da perspectiva do narrador, que é Bentinho, a história é contada a partir do ponto de vista dele, assim como nossa história é, a partir do nosso ponto de vista.
Não conhecemos a história vista e sentida por Capitu, a conhecemos pelo que Bentinho nos conta, sendo assim, toda premissa parte-se da vista de Bentinho, e talvez, o ponto central da história, não seja a traição em si, mas os sentimentos e a perspicácia do narrador que a todo momento é como se dissesse “pode confiar em mim, tudo que digo é verdade”.
O ciúmes de Bentinho, suas inquietações e especulações são conhecidas por nós, quem nunca teve dúvidas a respeito de um amante e pensou em cada detalhe como uma prova da suposta traição? Às vezes estamos certos, às vezes errados, o ponto crucial é até que ponto o ciúmes é “normal” e quando ultrapassa esse limite e se torna possessivo.
Embora eu tenha dito a importância dos sentimentos de Bentinho no trecho acima, não podemos reduzi-lo a um homem amargurado pela traição, em vários trechos é perceptível sua obsessão por Capitu, seu ciúmes doentio e suas desconfianças infundadas, estes pontos nos servem de alerta.
A beleza da narrativa de Machado é justamente abrir a mente do leitor para o que poderia ser, ele não deixa claro, e como o autor mesmo disse na voz de Bentinho “nem tudo é claro na vida ou nos livros”. Essa leitura alcança seu objetivo quando nos instiga a pensar em todos os detalhes, nos desfechos possíveis e ainda sim, nos deixa no escuro. A delícia é esta, não nos dar respostas, e sim nos fazer pensar, abrir um caminho sem fim para a imaginação.
Machado é genial, nesse ponto todos concordam, e nos pontos em que discordamos a respeito da história revela ainda mais sua genialidade, cada leitor pode e deve analisar a história de acordo com a sua própria perspectiva, esse é um dos prazeres da leitura. Espero que esse clássico da literatura brasileira alcance muitas outras mentes vorazes e também iniciantes no universo dos livros.
Por fim, meu conselho é: leia degustando e não reduzindo Dom Casmurro a uma simples pergunta “traiu ou não traiu?” esse não é o ponto! Este é um livro sobre sentimentos e não sobre certezas, ler uma vez só já é bom, mas reler quantas necessárias é melhor ainda.