Nanna 03/07/2024
A pergunta que atormenta gerações: Capitu traiu Bentinho? Porém a pergunta se tornou uma brincadeira, porque todo mundo sabe que não. Ou sim? O nosso narrador, o atormentando e ciumento, trazendo sua perspectiva e supostas perspectivas de outros, é confiável?
Bentinho, a meu ver, representava a sociedade misógina da época (não diferente da nossa), venerando a beleza feminina à custa de outras qualidades, sociedade que não dá muitas chances a mulher, e nada além de ser esposa e mãe. Em contos como "A Desejada das Gentes", Machado de Assis já demonstrava essa realidade, então não é um caminho diferente do que ele já escrevia.
Agora, reavaliando os detalhes, a possibilidade da traição surge. Seria Bentinho infértil? Essa hipótese, embora não comprovada, abre novas perspectivas. Por outro lado, é difícil acreditar que Escobar incentivaria a filha a se relacionar com o filho de Bentinho – que na verdade seria seu –, e claro que os jovens não seriam forçados e não era certo um casamento, no entanto, ainda que Escobar não se considerasse pai de Ezequiel, ele o veria como irmão de sua filha e jamais incentivaria tais "brincadeiras". Acho que sentiria nojo. Então descarto tal possibilidade. E realmente não vejo Capitu como uma personagem maléfica, podia mentir e foi mostrado quão bem sabia (bentinho que vai ser o padre do meu casamento), mas não maléfica. E teria de ser, caso soubesse que o menino não era filho de bentinho e ainda assim, lhe apontasse a semelhança com o pai biológico. Isso é tortura e desmedida, porque de certo teria medo pelo que o filho poderia sofrer.
O ciúme de Bentinho é evidente ao longo da narrativa, e ele não escondeu, pelo contrário expressou de forma clara. Mas também demonstrou no capítulo dos braços, que havia alguma coisa que ele repeliu (porque efetivamente sentiu) pela esposa do melhor amigo! Então essa traição que ele acreditava, na verdade era uma projeção de seus próprios desejos reprimidos? Uma projeção do que ele queria fazer? "E se eu quero, os outros podem muito bem também querer... e eu não fiz porque sou bom... os outros, já não sei.".
Assim, chego à conclusão de que Machado, mestre da manipulação narrativa, pretendia despertar no leitor a eterna dúvida. Ele poderia concluir de forma incisiva, trazendo provas de um lado ou doutro, mas não. Não foi para isso que escreveu Dom Casmurro.
A traição de Capitu e a confiabilidade de Dom Casmurro permanecem como enigmas para muitos, e certezas para outros.