OgaiT 12/01/2023
Possivelmente este é o livro divisor de águas na carreira do escritor lusitano. Prova disso é que o autor foi cremado junto a uma cópia de Memorial do Convento. Esse romance é também leitura obrigatório entre os estudantes de Portugal e está para os portugueses, assim como Dom Casmurro do Machado de Assis está para os brasileiros.
Em Memorial do Convento, José Saramago se vale de fatos históricos para compor a sua narrativa. Aqui temos o típico narrador irônico e crítico quanto a humanidade, bem como os longos períodos, aspecto que pode causar estranheza aos leitores de primeira viagem do escritor.
Acerca da obra propriamente dita, situa-se no período de construção do Convento de Mafra, uma obra que excede inclusive a dimensão megalomaníaca do Palácio de Versalles na França. Nesse sentido, em determinado momento temos a seguinte crítica do narrador:
"Mas em Lisboa dirá o guarda-livros a el-rei, Saiba vossa real majestade que na inauguração do convento de Mafra se gastaram, número redondos, duzentos mil cruzados, e el-rei respondeu, Põe na tua conta , disse-o porque ainda estamos no princípio da obra, um dia virá em que quereremos saber, Afinal, quanto terá custado aquilo, e ninguém dará satisfação dos dinheiros gastos, nem facturas, nem recibos, nem boletins de registo de importação, sem falar de mortes e sacrifícios, que esses são baratos." (p.133).
Nessa narrativa se destacam 3 personagens, o primeiro deles é o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão foi de fato uma figura história e cognominado de "Padre voador" devido ao seu ávido interesse por invenções capazes de proporcionar o vôo aos seres humanos. Além dele, temos o casal Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, esta última detentora do dom de enxergar o interior das pessoas e inspirada em uma outra figura histórica.
"Se Deus, que lá do alto vê tudo, vê tudo assim tão mal, então mais lhe valia andar cá pelo mundo, por seu próprio e divino pé, escusavam-se intermediários e recados que nunca são de fiar, a começar pelos olhos naturais, que vêem pequeno ao longe o que é grande ao perto, salvo se usa Deus um óculo como o do padre Bartolomeu Lourenço, quem dera que me esteja olhando agora, se sim ou não me vão dar trabalho." (p. 204).
Termino essa primeira experiência com o trecho que chamou a minha atenção nas primeiras 115 ppáginas:
"Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio céu." (p. 113).