Luíza | ig: @odisseiadelivros 29/03/2020Leitura de quarentena #1O meu primeiro livro do Saramago foi lido em uma quarentena. Talvez não o melhor momento para ler um livro em que ocorra um evento tão incomum. Ou talvez seja o momento ideal, a depender da perspectiva. Ainda não me decidi.
O evento incomum, que ocorre nas primeiras páginas do livro após uma série de digressões que farão sentido ao decorrer da história, é a cisão da Península Ibérica do restante da Europa. Simples assim. Em um momento, a Espanha dividia a fronteira com a Espanha; no outro, um espaço começava a se abrir.
Um evento tão incomum deveria ter uma explicação lógica, não? Ora, pelo pouco que ouvi falar de Saramago, isso não é tão necessário. A partir daí, somos formalmente apresentados a quatro personagens, a partir da viagem do primeiro: Joaquim Sassa, que arremessou ao mar uma pedra de massa superior a que conseguiria normalmente carregar; José Anaiço, um homem que subitamente passa a ser perseguido por milhares de estorninhos; Pedro Orce, que sente vibrações do chão, mesmo que ninguém as sinta; e Joana Carda, cujo risco no chão com uma vara de olmeiro a faz acreditar que possui culpa pela cisão. Há, posteriormente, a integração da personagem Maria Guavaira, que encontrou uma meia que não termina de se desfazer, e de um Cão, que os guia em determinado ponto da história.
É com esses personagens que Saramago faz uma analogia à criação da União Ibérica, na qual Portugal e Espanha ficaram à deriva, como se realmente se desprendessem do continente e navegassem (como ocorre no livro) pelo Oceano Atlântico como uma grande jangada de pedra. Não barco, nem navio, veja bem, jangada, como de importância inferior. Tão inferior que o mundo reage com pouco caso, exceto os Estados Unidos que querem saber como podem se beneficiar da situação.
É uma analogia política, de modo que a população, a "arraia-miúda", é deixada de lado nesse interím. Mais à deriva do que a Península Ibérica. Por isso, o foco são esses seis personagens aparentemente comuns, que de repente se tornam incomuns, e que, subitamente, perdem-se da normalidade e se encontram para se estabelecer em meio ao caos. É um livro belo quanto a sua metáfora, que nos faz pensar juntamente com as reflexões do narrador a respeito não só da política, mas da vida humana.
A dificuldade maior foi superar a dificuldade da linguagem de Saramago. É ainda muito difícil pra mim, talvez lendo-o mais eu possa superar essa barreira. O outro empecilho são as diversas divagações, que, em um primeiro momento, não parecem ter finalidade, mas de certa forma se encaixam na narrativa. E os personagens. São meio apáticos, difíceis de se conectar. Talvez eu ainda não esteja na vibe Saramago e talvez nunca vá entendê-lo de fato.