Marcela 31/12/2022
Um dos prazeres modernistas
No início da obra, o leitor se vê confuso, pego de surpresa pelo fluxo narrativo composto por várias dimensões, sem nenhum aviso prévio quando o protagonista se recorda do passado remoto - chamado de micronarrativa - comenta sobre o passado recente no qual reside o fato narrado - a macronarrativa - ou quando aborda um terceiro meio, o da composição interna da obra, que consiste na alucinação do personagem, as quais se tornam cada vez mais presentes.
Particularmente, esse aspecto me afastou do livro no começo. Era o que eu considerava "lengalenga", porém mais tarde viria a descobrir que estava redondamente enganada, mas conforme as páginas passam, o leitor se vê cada vez mais envolvido na trama e na loucura do Luís da Silva.
Entenda que quando digo loucura, não é nenhum spoiler grave, uma vez que logo nas primeiras 20 páginas essa característica já se destaca na construção do alagoano.
Nesse sentido, é bacana dar uma olhada por cima da história: Luís da Silva é o protagonista, nordestino, advindo de uma família aristocrática no período escravagista mas que, conforme o país avançava e declarava abolição, perde o prestígio progressivamente - nesse tópico, há muito simbolismo, é válido prestar atenção na composição dos nomes em termos quantitativos e na descrição dos familiares do protagonista, no quesito passividade ou não.
Quando criança, Luís foi tratado com muita aspereza, descrita como característica do sertão, notável desde a forma com que aprende a escrever até o modo em que aprende a nadar e se relacionar - ou não - com outras crianças. Enfim, quando jovem, Luís enfrenta o mundo bruto, a fome e a negligência ao deixar a fazenda em que morava após uma morte familiar, mas isso não é bem detalhado, só temos relatos de rememoração.
Na situação em que narra a obra, tem uma casinha alugada e uma empregada, uma vida justa, apesar de desconfortável. Até que se encanta pela vizinha, Marina, e desenvolve uma adversidade por um personagem Julião Tavares - no qual também há muitos aspectos simbólicos - e, diante desses três, a história se desenvolve, com a narrativa sempre distorcida e moldada pela loucura do protagonista.
Luís da Silva é emblemático, ao passo em que se apresenta um homem um tanto moralista, mas também passa pano para fatores, para ele, outrora imperdoáveis. Além disso, tem um pequeno lado, mais dormente, que aparenta um feminismo, mas aí já é opinião minha kkkk.
É, também, muito interessante a sua colocação na sociedade, porque, no bem da verdade, ele se vê como um parafuso da máquina pública, tanto como peça substituível, quanto um corpo que se move mas não sai do lugar, cujas atitudes não surtem efeito. Assim, embora tenha tudo para se enxergar no proletariado, a literatura o afasta dessa classe, conforme própria percepção do personagem, de forma que ele explica na obra - ao meu ver, um dos conceitos mais interessantes que o livro aborda.
Para não me estender ainda mais, ressalto que é uma leitura incrível e que a composição em termos gramaticais é riquíssima, assunto inclusive de análise de críticos literários, mas talvez te obrigue a pesquisar alguns termos no Google lkkkk
Particularmente, me agrada a liguagem do livro, adoro Moisés e Pimentel e tenho dó de Marina, mas aí já vai de gosto kkk
Enfim, obrigada por ler até aqui, desejo que minha resenha tenha te estimulado a apreciar essa obra maravilhosa na íntegra, afinal, quem não ama um protagonista doidinho?