OgaiT 16/12/2022
Um Rodion Românovitch Raskólnikov à nordestina
Com uma narrativa que alterna entre o fardo de um crime cometido e as lembranças da infância no engenho dos avós, encontra-se o nosso protagonista: Luís da Silva, uma espécie de Rodion Românovitch Raskólnikov (Crime e Castigo) à brasileira, ou melhor, à nordestina.
Diferentemente do estilo lento e prolixo de Dostoiévski (e ainda distante distante da estilística do próprio Graça), Graciliano leva a metade das páginas para nos oferecer reflexões semelhantes àquelas apresentadas em Crime e Castigo. Apresentadas as aproximações entre as duas obras, convém lançar luz as suas divergências: A primeira de todas, é a motivação dos crimes, enquanto o jovem Ródia mata para comprovar uma teoria, Luís mata por paixão, inveja e ressentimento – e aqui deixo claro que não se trata de um spoiler, visto que as obras são clássicas e que tais informações não atrapalharão a leitura, o que mais interessa nelas são os desdobramentos e não o crime em si.
O segundo ponto de divergência é justamente o final, para quem leu Vidas Secas sabe que o Graça tem uma fixação por circularidade, ou seja, você pode retomar o início da obra e vai encontrar um sentido, uma chave de leitura para interpretação aspecto que não se aplica ao clássico russo.
Um último elemento que gostaria de destacar nessa resenha é o contexto em que ambas as obras foram escritas e publicadas. Dostoiévski escreveu Crime e Castigo após ser sentenciado à morte, mas ser conduzido a uma pena mais branda nas vias de fato e assim permanecer na Sibéria por anos. Já Graciliano Ramos foi preso por o acusarem de ser comunista, isso ocorre um dia após entregar os manuscritos/originais a sua secretária, fato que o impede de revisar o seu texto e de ver a sua recepção pela crítica no ato da publicação.
Por fim, para além de teses ou de antíteses, Angústia se destaca por apresentar o cotidiano de um subúrbio miserável como até hoje se ver na cidade de Maceió/AL, mas que não se limita a apresentar o abandono do Estado para a população. Graciliano traz para esse contexto social uma narrativa que só poderia ser ambientada nas metrópoles sudestinas.