debora-leao 26/10/2024
Não há livro que tenha título mais adequado do que este de Graciliano Ramos
Angústia é uma obra-prima. Ganhando o leitor na sua ambientação e na evolução psicológica do personagem, a lentidão da narrativa é precisamente o seu brilho. É impossível ficar indiferente aos maneirismos de Luís da Silva, não ter raiva dele, não sentir pena às vezes, não ficar tenso com a escalada de seus impulsos violentos. A própria Marina, objeto de seu desejo, ocupa menos e menos espaço na história contando a partir do momento em que desperta a paixão em Luís. O destaque aqui são, de fato, os pensamentos do protagonista, que não são narrados em fluxo da consciência, mas em formato memorialístico que mistura um passado recente com outro mais longínquo.
Eu, tão sensível a suspense, me peguei constantemente ansiosa para saber o que ia acontecer (mesmo que já soubesse o que ele iria fazer), como iria acontecer, o que Luís estava pensando... Eu queria acompanhar a mutação de sua psique. Graciliano criou uma obra que te explica o que é angústia, essa sensação de constante estiramento mental, sem descanso, sem alternativa. Luís é assombrado pelos fantasmas de seus antepassados, pelos locais em que viveu, pelo futuro idealizado que perdeu (no passado recente e no longínquo) e também pelo futuro que de fato se estendia à sua frente. A partir da percepção de que era um homem normal, comum, cujos esforços intelectuais - que lhe custavam tanto esforço - em nada lhe distinguiam ou serviam, que seria amassado e ningém nem pararia para ver, Luís me parece surtar. Ele é contemplado com sua própria covardia e fragilidade, e se ressente desse rótulo por saber que tem também em si potencial e capacidade que não é reconhecida para além do nível instrumental de ser uma ferramenta comandada a escrever artigos. Um ChatGPT eficiente como redator rsrsrs (perdão pela anacronia).
Não se engane, contudo: é, sim, uma obra exigente, que não vejo como recomendável a leitores iniciantes. Para a época da publicação, quase um século atrás, vejo como tendo uma linguagem fluida e fácil de entender, mas há regionalismos, formas mais inovadoras e indistintas, pouca marcação temporal, profusa presença de personagens (confundindo a mente do leitor) e mais desafios que certamente não conseguirei recordar. Não é difícil, mas deve ser um livro encarado com seriedade, mesmo que seja apenas uma leitura feita por pura diversão - algo que ela não deixa de ser, pois nos encanta muito.
Ainda que Luís seja doente e que eu sinta, sim, repulsa por ele, por seus pensamentos sórdidos, agressivos, pouquíssimo empáticos, também sinto pena e compreendo sua dor. Ele não foi tratado como humano, era um animal, mas um animal que sonhava, sensível à derrota e à dor, capaz de ressentimento e memória. Luís é um caso de estudo de seres humanos falhos per se e também expostos a ambientes insalubres. Não foi a natureza de Luís e nem o ambiente que o tornou quem é... Foi a combinação e a interação entre os dois. Bravo, Graciliano! A obra de uma vida. Incrível.