Ricardo Silas 13/10/2014
HOMERO: Ilíada
Em alguns livros e textos outrora lidos por mim, ocasionalmente me deparava com as icônicas expressões: "debates homéricos", "conversas homéricas", que me deixavam ansiosos por conhecer tal originalidade do termo. Deleitei-me ao frequentar as páginas de Ilíada, sem ter vontade de desligar meu estado de êxtase literário após cada intervalo que eu fazia. Agora estou de volta ao mundo real, e desejo exteriorizar meu sentimento de enorme satisfação, porque tive o privilégio que muitos não tiveram ao longo dos séculos.
Em verdade, há controvérsias entre historiadores a respeito não só da origem de Homero, ou de sua existência objetiva, como, também, ao próprio berço e autoria da epopeia clássica Ilíada. Sem nos opor ao ceticismo científico e histórico desse perturbador dilema, a base atribuída à construção desta magnânima obra, data-se por volta do século VIII a.C., período no qual Homero teria vivido e estruturado sua dramaturgia clássica.
Os vestígios demarcam uma forte influência da oralidade predominante na Idade do Bronze, perpassando os vagarosos anos até chegarem à posse de Homero. Provavelmente teria sido ele o responsável por consubstanciar toda a obra em formato escrito, talvez auxiliado por acólitos durante o processo. Feito isso, nada impediu que este laborioso fenômeno literário irradia-se cultura aos gregos pré-socráticos, bem como à Filosofia presente na vida dos cidadãos da Antiguidade clássica na Grécia. Inclusive, o marco para o início da Antiguidade clássica é nada menos que a suposta data na qual Ilíada emergiu na cultura humana.
Homero (aceita-se que o tenha feito sozinho) produziu a imbrincada Ilíada, constituída de 24 cantos, com mais de 15 mil versos ao todo, por força dos quais "relata" a Guerra de Troia a partir do décimo ano de duração. Nem ao certo se consagra como verdade a real incidência da Guerra de Troia. Mesmo assim, a grandiosidade da obra está longe de ser decrescida.
A história contorna os fatos protagonizados pela cólera do irredutível guerreiro Aquiles, comandante dos Mirmidões, contra o príncipe de Troia, Heitor, irmão de Páris, ambos filhos de Príamo (Rei de Troia). O estopim da guerra ocorre quando Páris enamora-se com Helena, esposa do Rei de Esparta Menelau, irmão de Agamênon, Rei de Micenas (Aqueus: ou gregos, como são chamados). Logo ao atender a ira de Menelau, seu irmão conduz um contingente bélico para resgatar a divina Helena, insuflados pelo desejo de retaliação aos Troianos pela perfídia.
Assim enceta-se as margens efervescentes da Guerra de Troia, sem delongas transbordadas pela morte de Pátroclo, companheiro insubstituível e amado por Aquiles, afastado do confronto por causa de desavenças com o Atrida Agamênon. Então, dominado por fúria ensandecida, Aquiles decide vingar-se daquele que chacinou seu amigo Pátroclo, o príncipe Heitor, auxiliado pelo deus Apolo (que age de longe).
Conseguintemente, o leitor terá que desnudar por si mesmo esta primorosa matéria de obra prima responsável por traços fulcrais da nossa cultura artística, poética, literária e mitológica. A personificação está presente em cada narração de Homero, artifício utilizado para enlevar a verve estética da poesia oratória convertida em escrita. Também, a interatividade dos deuses com humanos está desenhada em cada tendenciosismo das deidades, alguns achegados a Troia, socorrendo-a, outros implementando a força dos gregos.
Aquiles é a maravilha brilhantina e trágica desta sublime dramaturgia, e os versos e diálogos dos cantos demonstram claramente a genialidade de Homero ao elencar sentimentos intensos dos humanos, antropomorfizados aos deuses em poder e maestria divina.
Eu disse no início desta resenha que ler Ilíada é uma realização decorosa, honorífica e enaltecedora. Séculos transcorridos após o declínio do Império Romano do Ocidente fizeram com que Ilíada se perde-se por entre o emaranhado governo do Oriente, em decorrência das ingentes invasões bárbaras cravadas no século V d.C. Os filósofos, bispos e padres da Idade Média tinham consciência da existência influente de Ilíada, porém nunca lograram contato com ela. Apenas no ano de 1354 quando Francesco Petrarca, poeta intelectual italiano, reencontrou a obra Ilíada em solos ocidentais, em razão do desmantelamento à capital do Império do Oriente, Constantinopla, empreendido por dinastias turco-otomanas, o lirismo epopeico fulgural se estendeu pela modernidade até os nossos dias. E sobreviveu por entre as oscilações e hostilidade das vicissitudes históricas.
Igualmente a Petrarca, pude agasalhar os antigos hexâmetros homéricos em minha memória, embora com maior envolvimento e profundidade, graças ao encontro real promovido pelas traduções para o português. Petrarca mergulhou em soturna acridez, em sua época, por não poder contemplar a monumental Ilíada em latim, idioma erudito da época. Não obstante isso, Petrarca entregou-se ao conforto de ter em seus braços os épicos homéricos, proferindo as "palavras aladas": "Homero é mudo para mim, ou melhor, eu sou surdo para ele. No entanto, gosto simplesmente de olhar para ele e, muitas vezes, abraçando-o e suspirando, digo: 'Ó grande homem, com que entusiasmo te ouviria'".
Sinto-me inclinado a lamentá-lo por isso.